quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ASPECTOS LEGAIS E ORIENTAÇÕES PEDAGOGICAS

Aspectos Legais e Orientação
Pedagógica
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
Luísa de Marillac P. Pantoja
Maria Teresa Eglér Mantoan


Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
Secretaria de Educação a Distância



Formação Continuada a Distância
de Professores para o
Atendimento Educacional Especializado
Aspectos Legais e Orientações Pedagógicas
SEESP / SEED / MEC
Brasília/DF – 2007


Coordenação do Projeto de Aperfeiçoamento de
Professores dos Municípios-Polo do Programa
“Educação Inclusiva; direito à diversidade” em
Atendimento Educacional Especializado
Cristina Abranches Mota Batista
Edilene Aparecida Ropoli
Maria Teresa Eglér Mantoan
Rita Vieira de Figueiredo
Autores deste livro: Atendimento Educacional
Especializado - Aspectos Legais e Orientações Pedagógicas
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
Luísa de Marillac P. Pantoja
Maria Tereza Eglér Mantoan
Projeto Gráfico
Cícero Monteferrante - monteferrante@hotmail.com
Revisão
Adriana A. L. Scrok
Ilustrações
Alunos da APAE de Contagem - Minas Gerais
Alef Aguiar Mendes (12 anos)
Felipe Dutra dos Santos (14 anos)
Marcela Cardoso Ferreira (13 anos)
Rafael Felipe de Almeida (13 anos)
Rafael Francisco de Carvalho (12 anos)
Ficha Técnica
Secretaria de Educação a Distância
Departamento de Políticas de Educação a Distância

Coordenação Geral de Avaliação e Normas em Educação a
Distância
Coordenação Geral de Articulação Institucional em
Educação a Distância
Secretaria de Educação Especial
Departamento de Políticas de Educação Especial
Coordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP
 F278a Fávero, Eugênia Augusta Gonzaga, 1969-
 Aspectos legais e orientação pedagógica / Eugênia
 Augusta Gonzaga Fávero, Luísa de Marillac P. Pantoja,
 Maria Teresa Eglér Mantoan. - São Paulo : MEC/SEESP,
 2007.
 60p. - (Atendimento educacional especializado)
 “Formação continuada a distância de professores para o
atendimento educacional especializado”
 ISBN: 978-85-60331-17-8 (obra completa)
 ISBN: 978-85-60331-19-2 (volume)
 1. Deficientes - Direitos civis. 2. Inclusão em educação.
 3. Educação inclusiva. I. Pantoja, Luísa de Marillac P.
 II. Mantoan, Maria Teresa Eglér. III. Título.


Índices para Catálogo Sistemático
1. Deficientes - Direitos civis...362.4 | 2. Inclusão em educação...371.9 | 3. Educação Inclusiva...371.9


PREFÁCIO
O Ministério da Educação desenvolve a política de educação inclusiva que pressupõe a
transformação do Ensino Regular e da Educação Especial e, nesta perspectiva, são implementadas diretrizes
e ações que reorganizam os serviços de Atendimento Educacional Especializado oferecidos aos alunos com
deficiência visando a complementação da sua formação e não mais a substituição do ensino regular.
Com este objetivo a Secretaria de Educação Especial e a Secretaria de Educação a Distância
promovem o curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado,
realizado em uma ação conjunta com a Universidade Federal do Ceará, que efetiva um amplo projeto de
formação continuada de professores por meio do programa Educação Inclusiva: direito à diversidade.
Incidindo na organização dos sistemas de ensino o projeto orienta o Atendimento Educacional
Especializado nas salas de recursos multifuncionais em turno oposto ao freqüentado nas turmas comuns
e possibilita ao professor rever suas práticas à luz dos novos referenciais pedagógicos da inclusão.
O curso desenvolvido na modalidade a distância, com ênfase nas áreas da deficiência física,
sensorial e mental, está estruturado para:
- trazer o contexto escolar dos professores para o foco da discussão dos novos referenciais para
a inclusão dos alunos;
- introduzir conhecimentos que possam fundamentar os professores na reorientação das suas
práticas de Atendimento Educacional Especializado;
- desenvolver aprendizagem participativa e colaborativa necessária para que possam ocorrer
mudanças no Atendimento Educacional Especializado.
Nesse sentido, o curso oferece fundamentos básicos para os professores do Atendimento
Educacional Especializado que atuam nas escolas públicas e garante o apoio aos 144 municípios-pólo
para a implementação da educação inclusiva.
Secretaria de Educação Especial


APRESENTAÇÃO
P ara tratar do tema desta formação, é imprescindível conhecer o que nos move neste
projeto – o direito de todos a uma escola de todos e para todos, sem exclusões,
discriminação e preconceitos.
A ntes de saber como garanti-lo,
na prática, temos de conhecer
os seus fundamentos e
como eles estão expressos em nossos
documentos legais.
E ste livro apresenta ao leitor o
que distingue a Constituição
de 1988 como a expressão do
pacto social brasileiro pela educação. Ele
também trata do sentido da Educação
Especial, à luz das nossas leis, mas
principalmente, segundo os referenciais
inclusivos de educação.
Coordenação do Projeto.


SUMÁRIO
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO ESPECIAL: tratamento diferenciado que leva à inclusão ou à exclusão de direitos?.......................13
 Qual o fator de diferenciação (discrímen) que é invocado para a indicação de serviços de Educação Especial
 ou Atendimento Educacional Especializado?......................................................................................................................................16
 Qual o direito visado?...............................................................................................................................................................................16
 A diferenciação feita leva a qualquer forma de negação ao exercício de direitos?........................................................................17
 Há justificativas (razoabilidade) para a adoção desse tipo de tratamento diferenciado?............................................................18
 Trata-se de tratamento diferenciado que implica exercício separado de direitos, ou que fere em
 si mesmo o direito à igualdade?..............................................................................................................................................................19
 Finalmente: há obrigatoriedade de aceitação do Atendimento Educacional Especializado?.....................................................19
 Conclusão....................................................................................................................................................................................................20
CAPÍTULO II
Atendimento Educacional Especial: aspectos legais.....................................................................................................25
 1. O que diz a Constituição Federal?...................................................................................................................................................25
 2. Existe viabilidade prática em se receber TODOS os alunos?......................................................................................................26
 3. Quanto ao “preferencialmente” constante da Constituição Federal, art. 208, inciso III......................................................26
 4. A LDBEN, a Educação Especial e o Atendimento Educacional Especializado......................................................................27
 5. A LDBEN e as inovações trazidas pelo Decreto nª 3.956/2001 (Convenção da Guatemala)..............................................29
 6. Instituições especializadas e escolas especiais podem oferecer Ensino Fundamental?...........................................................31
 7. Como devem ficar as escolas das instituições especializadas?.....................................................................................................32
 8. Sugestões de áreas de atuação das instituições/escolas especiais.................................................................................................33
 9. Como cumprir a Constituição Federal e a Convenção da Guatemala?...................................................................................35
 10. “Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.......................................................................................................37
 11. Sobre a necessária evolução interpretativa de outras normas: integração x inclusão............................................................37
 12. Condições para a inclusão escolar de alunos com deficiência..................................................................................................38
 Quanto ao Atendimento Educacional Especializado na Educação Infantil..........................................................................38
 Quanto à surdez e deficiência auditiva..........................................................................................................................................39
 Quanto à deficiência física................................................................................................................................................................40
 Quanto à cegueira ou à deficiência visual.....................................................................................................................................40
 Quanto à deficiência mental............................................................................................................................................................41


CAPÍTULO III
Educação Inclusiva - Orientações pedagógicas.............................................................................................................45
 1. O desafio da inclusão..........................................................................................................................................................................45
 2. Mudanças na organização pedagógica das escolas........................................................................................................................47
 3. Como ensinar a turma toda?.............................................................................................................................................................50
 4. E as práticas de ensino?.......................................................................................................................................................................53
 5. Que tipos de atividades e quais os processos pedagógicos?.........................................................................................................53
 6. Como avaliar?........................................................................................................................................................................................54
 7. Finalmente... .........................................................................................................................................................................................55
 8. Dúvidas mais frequentes.....................................................................................................................................................................56


CAPÍTULO I


13
Capítulo I - EDUCAÇÃO ESPECIAL: tratamento diferenciado que leva
à inclusão ou à exclusão de direitos?
EDUCAÇÃO ESPECIAL: tratamento diferenciado
que leva à inclusão ou à exclusão de direitos?
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
N o campo jurídico, uma das maiores
preocupações é a aplicação eficaz do princípio
da igualdade para se alcançar a justiça. Essa
não é uma tarefa simples, pois
o grande dilema é saber em
qual hipótese “tratar igualmente
o igual e desigualmente o
desigual”, fórmula proposta
ainda na Antigüidade, por
Aristóteles (1992).
A utilização da
fórmula aristotélica, pura e
simplesmente, já demonstrou
que, em certos casos, pode até
configurar uma conduta
discriminatória. Esta fórmula,
em razão de sua sabedoria,
jamais foi alterada, mas vem
sendo constantemente
aprimorada.
A doutrina e
jurisprudência existentes
oferecem como solução o
imperativo de tratamento igual
para todos, admitindo-se os tratamentos diferenciados
apenas como exceção e desde que eles tenham um
fundamento razoável para sua adoção. Mas, infelizmente,
mesmo com esses
aprimoramentos, a história da
humanidade é prova inequívoca
de que eles não foram suficientes,
pois as situações de exclusão de
direitos ainda são muito
graves.
Não é difícil
encontrarmos situações de
exclusão que contam com a
aprovação de profissionais do
Direito, mesmo após valerem-se
dos critérios apontados pela
doutrina para a aplicação do
princípio da igualdade, que se
baseiam fundamentalmente,
como mencionamos, na análise
da razoabilidade ou não de
determinado tratamento
diferenciado. Como exemplo,


14
Atendimento Educacional Especializado - Aspectos Legais e
Orientação Pedagógica
podemos citar decisões judiciais1 e administrativas, que
sequer são levadas ao crivo do Judiciário, no sentido de
que pessoas cegas não podem fazer parte das carreiras da
magistratura.
Acreditamos que um dos motivos pelos quais
essa e outras exclusões de direitos ocorrem é o de que há
uma grande margem na análise das razões para a
diferenciação. Isso faz com que muitas pessoas,
principalmente as pertencentes às chamadas minorias,
tenham seus direitos negados, até em situações que
muitos consideram plausíveis, mas que as deixam sem
acesso a direitos e garantias fundamentais, como vida,
educação, trabalho e lazer.
Neste cenário, mesmo havendo a constante
garantia nas Constituições em geral em relação à
igualdade, como é o caso do Brasil, passaram a surgir
convenções e tratados internacionais reafirmando o
direito de todos os seres humanos à igualdade e dando
especial ênfase à proibição de discriminação em
virtude de raça, sexo, religião e deficiência.
Tais documentos trouxeram significativos
1 V. o seguinte julgado (RE 1000.001-DF, julgado em
29/03/1984):
 ADMISSÃO AO CARGO DE JUIZ DE DIREITO. CEGUEIRA
BILATERAL TOTAL. INCAPACIDADE FÍSICA PARA ESSA
ADMISSÃO.
 – Inexistência de ofensa ao inciso III do artigo único da Emenda
Constitucional nª 12/78, uma vez que a decisão que entende
que a cegueira bilateral total impossibilita o desempenho
pleno das atribuições ínsitas ao cargo de juiz de Direito não é
discriminatória. [...]
 – Aos médicos cabe determinar a existência e a extensão da
deficiência física; ao tribunal, porém, é que compete aferir se
ela permite, ou não, o desempenho pleno e normal das funções
do cargo de juiz. Recurso Extraordinário não conhecido.
avanços, pois oferecem alternativas para a solução do
dilema relacionado à aplicação eficaz do princípio da
igualdade. Devido a eles, não precisamos mais nos
ater, quase exclusivamente, à análise das razões e
proporcionalidade de determinado tratamento
diferenciado.
Assim, para saber se um tratamento
diferenciado é válido ou é uma forma de discriminação,
basta que apliquemos os seguintes critérios que foram
extraídos, em sua maioria, de tratados e convenções
internacionais já ratificados pelo Brasil2:
2 Estamos falando, basicamente, dos seguintes documentos
internacionais:
 - Convenção concernente à Discriminação em Matéria de
Emprego e Profissão, de 05/06/1958: promulgada pelo Decreto
nª 62.150, de 19/01/1968, ratificada em 26.11.65.
 - Convenção relativa à Luta contra a Discriminação no campo do
Ensino, de 15/12/1960: ratificada em 19/04/1968 e promulgada
pelo Decreto nª 63.223, 06/09/1968.
 - Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas
de Discriminação Racial, de 21/12/1965: ratificada em 27/03/1968,
promulgada pelo Decreto nª 65.810, de 08/12/1969.
 - Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher, de 18/12/1979: ratificada em
01/02/1984. Promulgada pelo Decreto nª 89.460, de 20/03/1984,
que foi revogado pelo Decreto nª 4.377, de 13/09/2002, o qual
promulgou novamente a Convenção sem as reservas anteriormente
feitas.
 - Declaração para a Eliminação de todas as formas de Intolerância
e de Discriminação baseada em Religião ou Crença, de
25/11/1981.
 - Convenção relativa aos Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, de 27/06/1989: ratificada em 25/07/2002,
promulgada pelo Decreto nª 5.051, de 19/04/04.
 - Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20/11/1989:
ratificada em 24/09/1990, promulgada pelo Decreto nª 99.710,
de 21/11/1990.
 - Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de
08/06/1999: promulgada pelo Decreto nª 3.956, de 08/10/2001.


a) Necessidade de identificação do fator
adotado como motivo da diferenciação.
b) Não admissão de tratamentos desiguais,
com base direta ou indireta em atributos
subjetivos do ser humano (raça, sexo,
religião, crença, deficiência, língua,
opinião política, origem nacional,
filiação, entre outros), que tenham por
objetivo ou resultado a anulação, o
impedimento, o prejuízo ou a restrição
do reconhecimento, gozo ou exercício de
direitos humanos e liberdades
fundamentais.
c) Admissão de exceções a essa regra, desde
que possam ser identificadas
objetivamente, pois dizem respeito
apenas à interdição, em caso de pessoas
com deficiência e à proteção do direito à
vida, cabendo, ainda, nesse último caso, a
análise da razão da medida.
d) Possibilidade de adoção de medidas
especiais (discriminação positiva), desde
que não sejam relacionadas à religião ou
crença e que visem à facilitação do gozo
ou exercício do direito, e não a sua
negação;
e) necessidade de que tais medidas sejam
razoáveis, ou proporcionais; que não
impliquem manutenção de direitos
separados; que a pessoa interessada, ou
seu responsável, não esteja obrigada a
aceitar tal tratamento diferenciado ou
mesmo a preferência; e que eventuais
medidas afirmativas sejam temporárias.
Os juristas, sempre que se deparam com
alguma forma de tratamento diferenciado, se valem de
critérios semelhantes a esses, mais ou menos completos,
para saber se estão diante de um tratamento
discriminatório. Eles fazem isso com freqüência em
relação a tratamentos diferenciados que dizem respeito,
por exemplo, à forma de remuneração de servidores
públicos, a quotas em vestibulares, entre outros.
Neste texto, discutimos um tratamento
diferenciado que pouco preocupa os aplicadores do
Direito: a Educação Especial ou o Atendimento
Educacional Especializado, para pessoas com
deficiência. Vamos verificar até que ponto esse tipo de
tratamento diferenciado é válido perante nosso
ordenamento jurídico.
O objetivo deste estudo é inusitado, pois o
simples fato de se referir a pessoas com deficiência e
seu direito à educação, faz com que surja, de imediato,
a noção de que é uma diferenciação mais que válida,
necessária, de tão acostumados que todos estão a
identificar tais pessoas como titulares de um ensino
especial. Mas iremos prosseguir com este verdadeiro
desafio, que coloca em xeque o costume de associar
pessoas com deficiência a um ensino diferente e
apartado, porque as soluções que podem surgir disso,


além de garantir às pessoas com deficiência o seu
direito à igualdade, talvez sejam uma contribuição
para a melhoria da qualidade do ensino em geral.
A nossa técnica será a de ir respondendo
perguntas elaboradas com base nos elementos para a
implementação do princípio da igualdade, que
acabamos de enumerar. Vamos a elas.
Qual o fator de diferenciação
(discrímen) que é invocado para a
indicação de serviços de Educação
Especial ou Atendimento
Educacional Especializado?
A deficiência. Portanto, é vedada a
diferenciação, a princípio, pois se trata de um atributo
subjetivo do ser humano. Não podemos esquecer a
regra geral, segundo a qual TODOS devem ser tratados
igualmente.
Qual o direito visado?
É o direito à educação. Direito humano,
fundamental, o que reforça a possibilidade de existência
de discriminação. Portanto, é preciso discorrer um
pouco mais sobre o direito que está em jogo e do qual
as pessoas com deficiência também são titulares.
O direito de todos à educação tem
peculiaridades: não é qualquer tipo de acesso à
educação que atende ao princípio da igualdade de
acesso e permanência em escola (art. 206, I, CF), bem
como a garantia de Ensino Fundamental obrigatório
(art. 208, I, CF).
Em se tratando de crianças a adolescentes,
principalmente, o seu direito à educação só estará
totalmente preenchido:
a) Se o ensino recebido visar ao pleno
desenvolvimento da pessoa e ao seu
preparo para o exercício da cidadania,
entre outros objetivos (art. 205, CF).
b) Se for ministrado em estabelecimentos
oficiais de ensino, em caso do ensino
básico e superior, nos termos da legislação
brasileira de regência (CF, LDBEN, ECA
e normas infralegais).
c) Se tais estabelecimentos não forem
separados por grupos de pessoas, nos
termos da Convenção relativa à Luta
contra a Discriminação no Campo do
Ensino (1960), citada na pág. 14.
É desse direito que as pessoas com deficiência
também são titulares. É certo que além desses objetivos,


requisitos e garantias para a educação, nossa
Constituição garante, agora apenas para as pessoas com
deficiência, o Atendimento Educacional Especializado.
Trata-se, pois, de tratamento diferenciado,
que tem sede constitucional, mas que não exclui as
pessoas com deficiência dos demais princípios e
garantias relativos à educação acima citados. Ao
contrário, é ali previsto como acréscimo e não como
alternativa. Portanto, o Atendimento Educacional
Especializado será válido apenas e tão-somente se levar
à concretização do direito à educação. Vejamos as
demais perguntas.
A diferenciação feita leva a
qualquer forma de negação ao
exercício de direitos?
Antes de responder a essa questão, é preciso
esclarecer que o Atendimento Educacional Especializado,
chamado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de Educação Especial, apresenta duas facetas.
A primeira, e mais conhecida, é a que levou à
organização de escolas separadas, chamadas de especiais
ou especializadas, voltadas apenas para pessoas com
deficiência, nas quais normalmente se pode cursar a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental, ou seja,
substituem totalmente o acesso a uma escola comum. Para
os defensores desse tipo de ensino segregado, o aluno ali
matriculado está tendo acesso à educação, pois eles
desconsideram os requisitos que mencionamos acima para
esta, extraídos da Constituição e dos tratados e convenções
internacionais pertinentes, inclusive a Declaração
Universal de Direitos Humanos. Para os defensores dessa
linha de pensamento, a resposta é negativa. O Atendimento
Educacional Especializado não nega direitos, pois o aluno
está tendo acesso a algum tipo de ensino, e isso bastaria.
A segunda faceta da Educação Especial é a
que vem sendo bastante propagada pelos movimentos
que defendem a inclusão escolar, ou seja, a freqüência
a um mesmo ambiente por alunos com e sem
deficiência, entre outras características. Essa segunda
faceta é a do Atendimento Educacional Especializado
como apoio e complemento, destinado a oferecer
aquilo que há de específico na formação de um aluno
com deficiência, sem impedi-lo de freqüentar, quando
na idade própria, ambientes comuns de ensino, em
estabelecimentos oficiais comuns.
Para os que entendem o Atendimento
Educacional Especializado, ou Educação Especial,
dessa forma, como apoio, também não há negação de
acesso a direitos. Nessa vertente, a negação de direitos
ocorre apenas quando tal atendimento acaba
substituindo totalmente os serviços oficiais comuns.
Em tal hipótese, fica caracterizada a negação ou
restrição (discriminação), pois é direito de toda
criança, mesmo que apresente características muito
diferentes da maioria, conviver com sua geração,
sendo que o espaço privilegiado para que isso ocorra
é a escola.


Crenças tradicionais no sentido de que o
ambiente de ensino, quanto mais especializado, melhor;
no sentido da obtenção de sucesso com base na
concorrência entre os alunos por notas, entre outros
fatores, vêm revelando-se insuficientes e até prejudiciais
aos alunos em geral.
O que se persegue, especialmente em fase de
Ensino Fundamental, é a formação humana e a preparação
emocional do aluno para prosseguir nos estudos. Não se
descuida do conteúdo curricular, mas esta deixa de ser o
eixo principal da escola que a Constituição Brasileira de
1988 previu, adotando uma tendência mundial. As escolas
que seguem essa tendência recebem com sucesso a todos
os alunos, inclusive os que têm algum tipo de deficiência.
As escolas tradicionais alegam um antigo
despreparo para receber alunos com deficiência visual,
auditiva, mental e até física, mas nada ou muito pouco
fazem no sentido de virem a se preparar. Há também uma
constante alegação de que essa inclusão escolar é muito
boa, mas não pode servir para o aluno que tenha
deficiências muito graves. Ora, alunos em tais condições
estão à procura de tratamentos relacionados à área da
saúde e são em número bastante reduzido. As crianças que
vêm sendo recusadas constantemente nas escolas são
crianças cegas, surdas, com limitações intelectuais e/ou
físicas, mas não associadas a doenças. São, apenas, crianças
com deficiência.
O fato é que a presença desses alunos em salas
de aula comuns pode até ser novidade, mas é um direito
e, no tocante ao Ensino Fundamental, também um dever
do Estado e de seus responsáveis. Dessa maneira, o
Atendimento Educacional Especializado, quando
ministrado de forma a impedir ou restringir esse direito,
fere o princípio da igualdade.
Mas, como já dissemos, há aqueles (e são a
maioria) que não levam em conta a importância da
convivência entre as crianças e os adolescentes,
considerando que a freqüência exclusiva a uma escola
especial atende o direito de acesso à educação.
Continuemos nossas indagações analisando
cada uma dessas posturas até onde for possível.
Há justificativas (razoabilidade)
para a adoção desse tipo de
tratamento diferenciado?
Sim, na maioria das vezes3. Os alunos com
deficiência têm limitações físicas, sensoriais ou intelectuais
significativas por definição e, muitas vezes, para poderem
se relacionar com o ambiente necessitam de instrumentos
e apoios que os demais alunos não necessitam.
3 Dissemos “maioria das vezes”, pois também são freqüentes
os encaminhamentos para serviços especializados
desnecessariamente, feitos com base apenas no receio e
na resistência de educadores em lidar com alunos com
deficiência. Eles o fazem sem atentar para o fato de que a
Matemática, o Português, a Geografia etc., que ensinam, são
as mesmas matérias para quaisquer alunos, o que mudam
é o nível e a forma de compreensão entre eles, e isso ocorre
independentemente de se tratarem de educandos com ou
sem deficiência. A escola deveria acolher essas diferentes
maneiras de aprender e delas tirar proveito, ao invés de
excluir aqueles que fogem às expectativas comuns.


Trata-se de tratamento
diferenciado que implica exercício
separado de direitos, ou que fere
em si mesmo o direito à
igualdade?
A admissão de Educação Especial, totalmente
substitutiva do ensino comum, como sistema de ensino
à parte, especial, não subsiste a essa indagação porque
implica, sim, exercício de “direitos separados”.
De acordo com essa postura, amplamente
admitida pelas autoridades, nos deparamos com escolas
de Ensino Fundamental e escolas de Ensino
Fundamental especial, essas últimas voltadas para
pessoas com deficiência e/ou recusadas pelas escolas de
ensino comum. Trata-se de exercício separado de
direitos, e mais, trata-se de conduta consistente em
“instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos de
ensino separados para pessoas ou grupos de pessoas”, já
vedada pelo Artigo I da vetusta Convenção relativa à
Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, de
15/12/1960, ratificada pelo Brasil em 19/04/1968 e
promulgada pelo Decreto nª 63.223, de 06/09/1968.
Sendo assim, a partir daqui, não nos
deteremos mais em considerações sobre a possibilidade
de uma Educação Especial substitutiva dos níveis de
escolarização, pois ela é incompatí+vel com o princípio
da igualdade. Vejamos o Atendimento Educacional
Especializado, ou Educação Especial, como apoio e
complemento, que não impede o acesso às turmas comuns.
Bem, se esse tipo de Atendimento não impede
acesso às turmas comuns, não há que se falar em
negação de direitos, como já afirmamos. E também
não se trata do exercício separado de direitos, tendo em
vista que não existem cursos semelhantes voltados para
pessoas que não tenham deficiência. Quando essas
querem aprender o braille, a LIBRAS, elas procuram
escolas e instituições especializadas e podem se
matricular normalmente.
É preciso ainda que o Atendimento
Educacional Especializado não gere uma situação por
si só constrangedora para quem recebe o tratamento
desigual. Por exemplo: exigir que uma criança com
deficiência, para que possa freqüentar uma turma
comum, seja permanentemente acompanhada por
assistentes, até em situações em que isso é plenamente
dispensável (recreio, brincadeiras etc.).
Finalmente: há obrigatoriedade de
aceitação do Atendimento
Educacional Especializado?
Não. O ensino que nossa Constituição prevê
como obrigatório é o Fundamental, o Atendimento
Educacional Especializado, bem como qualquer um
dos apoios e instrumentos que ele compreende, é uma
faculdade do aluno ou seus responsáveis. Sendo assim,
ele jamais poderia ser imposto pelo sistema de ensino,
ou eleito como condição para aceitação da matrícula
do aluno em estabelecimento comum, sob pena de
acarretar restrição ou imposição de dificuldade no
acesso ao direito à educação.


Conclusão...
Sabemos que tais considerações estão
bastante longe do que vem sendo praticado na
maioria das escolas brasileiras, as quais se acham no
direito de matricular apenas os alunos que julgam
terem condições de freqüentar suas salas de aula,
como se não bastasse o fato de ser uma criança ou
adolescente na idade própria para essa matrícula.
O pior é que, mesmo as autoridades
consultadas sobre o tema, quando se deparam com a
recusa de um aluno com deficiência por uma escola
que, como sempre, se diz “despreparada” para recebêlo,
aceitam essa recusa como sendo razoável. Além
disso, tais autoridades não adotam, em regra,
nenhuma medida para garantir que essa preparação
(que poderia ter início com a matrícula daquele
aluno) um dia venha a ocorrer.
Acreditamos, contudo, que esse tipo de
inércia está chegando ao fim. Cada vez mais os
movimentos sociais, os pais de crianças com
deficiência, membros do Ministério Público e do
Poder Judiciário, vêm se dando conta do quanto as
escolas brasileiras são discriminatórias, especialmente
em relação aos alunos com deficiência, e que é
preciso encontrar alternativas para a melhoria da
qualidade do ensino para todos, sem exclusões.
Assim, louvamos os termos da Constituição
Brasileira e das convenções internacionais que nos
permitem concluir que o Atendimento Educacional
Especializado, destinado a alunos com deficiência,
também chamado de Educação Especial, é uma
forma válida de tratamento diferenciado, desde que:
- Seja adotado quando realmente exista
uma necessidade educacional especial,
ou seja, algo do qual os alunos sem
deficiência não precisam.
- Seja oferecido preferencialmente no
mesmo ambiente (escola comum)
freqüentado pelos demais alunos.
- Se houver necessidade de ser oferecido à
parte, que isso ocorra sem dificultar ou
impedir que crianças e adolescentes com
deficiência tenham acesso às salas de aula
do ensino comum no mesmo horário
que os demais alunos a freqüentam.
- Não seja adotado de forma obrigatória,
ou como condição para o acesso do
aluno com deficiência ao ensino
comum.
Se forem observados esses requisitos,
podemos dizer que a Educação Especial é uma forma
de tratamento diferenciado que leva à inclusão e não
à exclusão de direitos.


Para saber mais...
ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem
pensar que pudesse existir. 3º edição. Campinas:
Papirus, 2001.
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção
constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva,
2000.
______. SERRANO JÚNIOR, Vidal. Curso de Direito
Constitucional. 9º edição, revista e atualizada. São
Paulo: Saraiva, 2005.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, estudo
bibliográfico e notas Edson Bini. Bauru,São Paulo:
Edipro, 2002.
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002.
BELISÁRIO FILHO, José Ferreira. Inclusão: uma
revolução na saúde. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de
filosofia. Consultoria da edição brasileira, Danilo
Marcondes. Tradução Desidério Murcho et al. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1997.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional. 5º edição. Coimbra: Livraria
Almedina, 1991.
______. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 6º edição. Coimbra: Livraria Almedina,
2002.
______. MOREIRA, Vital. Fundamentos da
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.
COMPARATO, Fábio Konder. Comentário ao Artigo
1ª da Declaração Universal de Direitos Humanos. In
CASTRO, Reginaldo Oscar de (Coord.). Direitos
Humanos: conquistas e desafios. Brasília: Letraviva,
1999.
______. A afirmação histórica dos Direitos Humanos.
4º edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva,
2005.
FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga. Direitos das
pessoas com deficiência: garantia de igualdade na
diversidade. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2004.
______ . SANTA ROSA, Rose. O papel do Ministério
Público na fiscalização do ensino. In FERREIRA,
Dâmares (Coord.). Direito Educacional em debate,
pp. 99 a 112, Vol. I. São Paulo: Cobra Editora, 2004.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de
Direito Constitucional. 3º edição, revista e atualizada.
São Paulo: Saraiva, 2003.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da
proporcionalidade e teoria do direito. In GRAU, Eros
Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago
(Organizadores). Estudos em homenagem a Paulo
Bonavides. 1º edição, 2º tiragem. São Paulo: Malheiros
Editores, 2003.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o
que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Editora
Moderna, 2003.
______. BATISTA, Cristina Abranches Mota.
Educação escolar: Atendimento Educacional
Especializado para deficiência mental. Brasília: MEC/
SEESP, 2005.


MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de
Direito Administrativo. 1º edição. São Paulo: Editora
RT, 1980.
______. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade.
3º edição, 12º tiragem. São Paulo: Malheiros Editores,
2004.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional,
Tomo IV. 2º edição. Coimbra: Coimbra Editora,
1993.
MONTEIRO, Agostinho Reis. O direito à educação.
Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999.
MORAES, Maria Cândida. Educar na biologia do
amor e da solidariedade. Petrópolis: Vozes, 2003.
PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São
Paulo: Xamã, 2001.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São
Paulo: Max Limonad, 2003.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de
Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves, 2º
edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução e notas de
Edson Bini. Bauru: Edipro, 2000.
SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos
Direitos Fundamentais: fragmentos de uma teoria. In
SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição
Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional
Positivo. 24º edição, revista e atualizada. São Paulo:
Malheiros, 2005.
STRECK, Lenio Luiz. A crise da hermenêutica e a
hermenêutica da crise: a necessidade de uma Nova
Crítica do Direito (NCD). In SAMPAIO, José Adércio
Leite. Jurisdição Constitucional e Direitos
Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
TABORDA, Maren Guimarães. O princípio da
igualdade em perspectiva histórica: conteúdo, alcance
e direções. Revista de Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 1998.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção
Internacional dos Direitos Humanos: fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva,
1991.
______. A interação entre o Direito Internacional e o
Direito Interno na proteção dos Direitos Humanos.
In TRINDADE, Antônio Augusto Cançado (Ed.). A
incorporação das normas internacionais de proteção
dos Direitos Humanos no Direito Brasileiro. San José
de Costa Rica: IIDH, ACNUR, CIVC, CUE, 1996.


CAPÍTULO II


25
Capítulo II - Atendimento Educacional Especial: aspectos legais
Atendimento Educacional Especial: aspectos legais1
Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
Luísa de Marillac P. Pantoja
Maria Tereza Eglér Mantoan
ASPECTOS JURÍDICOS – De onde
surge o direito à educação das pessoas
com deficiência?
Temos o direito a sermos iguais quando a
diferença nos inferioriza; temos o direito a sermos
diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.
Boaventura de Souza Santos
1. O que diz a Constituição
Federal?
A nossa Constituição Federal elegeu como
fundamentos da República a cidadania e a dignidade da
1 Este texto foi baseado na cartilha O acesso de alunos com
deficiência às escolas e classes comuns da rede regular,
publicada pelo Ministério Público. Procuradora Federal
dos Direitos do Cidadão, Brasília, 2004.
pessoa humana (art. 1ª, inc. II e III), e como um dos seus
objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (art. 3ª, inc. IV).
Garante ainda, expressamente, o direito à
igualdade (art. 5ª) e trata, nos artigos 205 e seguintes, do
direito de TODOS à educação. Esse direito deve visar o
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(art. 205).
Além disso, elege como um dos princípios para
o ensino, a “igualdade de condições de acesso e permanência
na escola” (art. 206, inc. I), acrescentando que o “dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa
e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”
(art. 208, V).
Portanto, a Constituição garante a todos o
direito à educação e ao acesso à escola. Toda escola, assim
reconhecida pelos órgãos oficiais como tal, deve atender
aos princípios constitucionais, não podendo excluir
nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça, sexo, cor,
idade, deficiência ou ausência dela.


26
Atendimento Educacional Especializado - Aspectos Legais e
Orientação Pedagógica
2. Existe viabilidade prática em se
receber TODOS os alunos?
Apenas esses dispositivos legais bastariam
para que ninguém negasse a qualquer pessoa com
deficiência o acesso à mesma sala de aula de crianças
ou adolescentes sem deficiência. Mas o argumento
que vem logo em seguida é sobre a impossibilidade
prática de tal situação, principalmente diante da
deficiência mental.
Tal ponto será abordado no item Orientações
Pedagógicas, em que se demonstrará não só a
viabilidade, mas os benefícios de receber, na mesma
sala de aula, a TODAS as crianças. Assim, quando
nossa Constituição Federal garante a educação para
todos, significa que é para todos mesmo, em um
mesmo ambiente, e esse pode e deve ser o mais
diversificado possível, como forma de atingir o pleno
desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania
(art. 205, CF).
3. Quanto ao “preferencialmente”
constante da Constituição Federal,
art. 208, inciso III
Esse advérbio refere-se a “Atendimento
Educacional Especializado”. Trata-se do atendimento que
é necessariamente diferente do ensino escolar e que é
indicado para melhor suprir as necessidades e atender às
especificidades dos alunos com deficiência. Ele inclui,
principalmente, instrumentos necessários à eliminação
das barreiras que as pessoas com deficiência têm para
relacionar-se com o ambiente externo. Por exemplo:
ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), do
código braille, uso de recursos de informática e outras
ferramentas tecnológicas, além de linguagens que
precisam estar disponíveis nas escolas comuns para que
elas possam atender com qualidade aos alunos com e
sem deficiência.
O Atendimento Educacional Especializado
deve estar disponível em todos os níveis de ensino escolar
(básico e fundamental), de preferência nas escolas comuns
da rede regular2. Esse é o ambiente escolar mais adequado
para garantir o relacionamento do aluno com seus pares
de mesma idade cronológica e para a estimulação de
todo o tipo de interação que possa beneficiar seu
desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo.
2 O significado do termo “regular” é encontrado no Parecer
CNE/CEB nª 11/00 (pág. 132, das Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação de Jovens e Adultos): “Vale lembrar
que o conceito de regular é polivalente e pode se prestar a
ambigüidades. Regular é, em primeiro lugar, o que está ‘sub
lege’, isto é, sob o estabelecido em uma ordem jurídica e
conforme a mesma. Mas a linguagem cotidiana o expressa
no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é
irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também
como descontínuo. Mas, em termos jurídico-educacionais,
regular tem como oposto o termo livre. Nesse caso, livres
são os estabelecimentos que oferecem educação ou ensino
fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de
escolas de língua estrangeira”.


O Atendimento Educacional Especializado
funciona em moldes similares a outros cursos que
complementam os conhecimentos adquiridos nos
níveis de ensino básico e superior, como é o caso dos
cursos de línguas, artes, informática e outros. Portanto,
esse Atendimento não substitui a escola comum para
pessoas em idade de acesso obrigatório ao Ensino
Fundamental (dos 7 aos 14 anos) e será preferencialmente
oferecido nas escolas comuns da rede regular. Diferente
de outros cursos livres, o Atendimento Educacional
Especializado é tão importante que é garantido pela
Constituição Federal.
A Constituição admite mais: que o
Atendimento Educacional Especializado seja também
oferecido fora da rede regular de ensino, em outros
estabelecimentos, já que, como referimos, seria um
complemento e não um substitutivo da escolarização
ministrada na rede regular para todos os alunos.
4. A LDBEN, a Educação Especial
e o Atendimento Educacional
Especializado
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN – (art. 58 e seguintes),
“o Atendimento Educacional Especializado será feito
em classes, escolas, ou serviços especializados, sempre
que, em função das condições específicas dos alunos,
não for possível a sua integração nas classes comuns
do ensino regular” (art. 59, § 2ª).
O entendimento equivocado desse
dispositivo tem levado à conclusão de que é possível a
substituição do ensino regular pelo especial. A
interpretação a ser adotada deve considerar que essa
substituição não pode ser admitida em qualquer
hipótese, independentemente da idade da pessoa. Isso
decorre do fato de que toda a legislação ordinária tem
que estar em conformidade com a Constituição
Federal. Além disso, um artigo de lei não deve ser lido
isoladamente. A interpretação de um dispositivo legal
precisa ser feita de forma que não haja contradições
dentro da própria lei.
A interpretação errônea que admite a
possibilidade de substituição do ensino regular pelo
especial está em confronto com o que dispõe a própria
LDBEN em seu artigo 4ª, inciso I22 e em seu artigo
6ª3 e com a Constituição Federal, que também
determina que o acesso ao Ensino Fundamental
obrigatório (art. 208, inc. I).
A Constituição define o que é educação, não
admitindo o oferecimento de Ensino Fundamental
em local que não seja escola (art. 206, inc. I) e também
prevê requisitos básicos que essa escola deve observar
(art. 205 e seguintes)3.
3 1 - “Art. 4ª. O dever do Estado com a educação escolar pública
será efetivado mediante a garantia de:
 I - Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
os que a ele não tiveram acesso na idade própria (...)”
 2 - “Art. 6ª. É dever dos pais ou responsáveis efetuar a
matrícula dos menores, a partir dos 7 anos de idade, no Ensino
Fundamental.”
 3 - Ver adiante o item “Instituições especializadas e escolas
especiais podem oferecer Ensino Fundamental?”


Outra situação da LDBEN que merece
atenção é o fato de não se referir, nos artigos 58 e
seguintes, a Atendimento Educacional Especializado,
mas à Educação Especial. Esses termos, Atendimento
Educacional Especializado e Educação Especial, para
a Constituição Federal não são sinônimos. Se nosso
legislador constituinte quisesse referir-se à Educação
Especial”, ou seja, ao mesmo tipo de atendimento que
vinha sendo prestado às pessoas com deficiência antes
de 1988, teria repetido essa expressão que constava na
Emenda Constitucional nª 1, de 1969, no Capítulo
“Do Direito à Ordem Econômica e Social”.
Em nossa Constituição anterior, as pessoas
com deficiência não eram contempladas nos
dispositivos referentes à educação em geral. Esses
alunos, independentemente do tipo de deficiência,
eram considerados titulares do direito à Educação
Especial, matéria tratada no âmbito da assistência.
Pelo texto constitucional anterior ficava garantido
“aos deficientes o acesso à Educação Especial”. Isso
não foi repetido na atual Constituição, fato que, com
certeza, constitui um avanço significativo para a
educação dessas pessoas.
Assim, para não ser inconstitucional, a
LDBEN ao usar o termo Educação Especial deve fazêlo
permitindo uma nova interpretação, um novo
conceito, baseados no que a Constituição inovou, ao
prever o Atendimento Educacional Especializado e não
Educação Especial em capítulo destacado da educação.
Defendemos um novo conceito para a
Educação Especial, pois ela sempre foi entendida
como capaz de substituir o ensino regular, sem
qualquer questionamento a respeito da idade do aluno
com deficiência. Por mais palatável que seja essa
possibilidade, dado que muitas crianças e adolescentes
apresentam diferenças bastante significativas, não
podemos esquecer que esses alunos têm, como
qualquer outro, direito indisponível de acesso à
educação, em ambiente escolar que não seja segregado,
juntamente com seus pares da mesma idade
cronológica. O acesso, permanência e continuidade
dos estudos desses alunos deve ser garantida nas
escolas comuns para que se beneficiem desse ambiente
escolar e aprendam conforme suas possibilidades.
Portanto, o direito ao Atendimento
Educacional Especializado previsto nos artigos 58, 59
e 60 da LDBEN (Lei nª. 9394/96) e também na
Constituição Federal, não substitui o direito à
educação (escolarização) oferecida em turmas de
escolas comuns da rede regular de ensino.
Vale lembrar que a LDBEN utiliza as
expressões “serviços de apoio especializado na escola
regular” e “atendimento especializado” como sinônimos
de Atendimento Educacional Especializado e apenas
diz que este pode ocorrer em classes ou escolas especiais,
quando não for possível oferecê-lo em classe comum. A
LDBEN não diz que a escolarização poderá ser oferecida
em ambiente escolar à parte.
A tendência atual é que o trabalho da
Educação Especial garanta a todos os alunos com
deficiência o acesso à escola comum, removendo
barreiras que impedem a freqüência desses alunos às


turmas comuns do ensino regular. A Educação
Especial é uma modalidade de ensino perpassa, como
complemento ou suplemento, todas as etapas e os
níveis de ensino básico e superior.
Essa modalidade deve disponibilizar um
conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio
aos alunos com deficiência, proporcionando-lhes diferentes
alternativas de atendimento, de acordo com as necessidades
de cada um.
O Atendimento Educacional Especializado
é uma forma de garantir que sejam reconhecidas e
atendidas as particularidades de cada aluno com
deficiência. São consideradas matérias do Atendimento
Educacional Especializado: Língua Brasileira de sinais
(LIBRAS); interpretação de LIBRAS; ensino de Língua
Portuguesa para surdos; código braille; orientação e
mobilidade; utilização do soroban; as ajudas técnicas,
incluindo informática adaptada; mobilidade e
comunicação alternativa/aumentativa; tecnologias
assistivas; informática educativa; educação física
adaptada; enriquecimento e aprofundamento do
repertório de conhecimentos; atividades da vida
autônoma e social, entre outras.
A educação inclusiva garante o cumprimento
do direito constitucional indisponível de qualquer
criança de acesso ao Ensino Fundamental, já que
pressupõe uma organização pedagógica das escolas e
práticas de ensino que atendam às diferenças entre os
alunos, sem discriminações indevidas, beneficiando a
todos com o convívio e crescimento na pluralidade.
5. A LDBEN e as inovações
trazidas pelo Decreto nª
3.956/2001 (Convenção da
Guatemala)
Posterior à LDBEN, surgiu uma nova
legislação que, como toda lei nova, revoga as
disposições anteriores que lhe são contrárias ou
complementa eventuais omissões. Trata-se da
Convenção Interamericana para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa
Portadora de Deficiência, celebrada na Guatemala.
O Brasil é signatário desse documento, que
foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do
Decreto Legislativo nª 198, de 13 de junho de 2001, e
promulgado pelo Decreto nª 3.956, de 8 de outubro
de 2001, da Presidência da República.
Portanto, no Brasil, ele tem tanto valor
quanto uma lei ordinária, ou até mesmo (de acordo
com o entendimento de alguns juristas) como norma
constitucional, já que se refere a direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana, estando acima de
leis, resoluções e decretos.
Trata-se de documento que exige, agora mais
do que nunca, uma reinterpretação da LDBEN. Isso
porque a LDBEN, quando aplicada em
desconformidade com a Constituição (como visto no
item anterior), pode admitir diferenciações com base
em deficiência, que implicam em restrições ao direito


de acesso de um aluno com deficiência ao mesmo
ambiente que os demais colegas sem deficiência.
A Convenção da Guatemala deixa clara a
impossibilidade de tratamento desigual com base na
deficiência, definindo a discriminação como toda
diferenciação, exclusão ou restrição baseada em
deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência
de deficiência anterior ou percepção de deficiência
presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito
de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou
exercício por parte das pessoas portadoras de
deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades
fundamentais (art. 1ª, nª 2, “a”).
O direito de acesso ao Ensino Fundamental
é um direito humano indisponível, por isso as pessoas
com deficiência, em idade de freqüentá-lo, não podem
ser privadas dele. Assim, toda vez que se admite a
substituição do ensino de alunos com deficiência em
turmas comuns do ensino regular, unicamente pelo
ensino especial na idade de acesso obrigatório ao
Ensino Fundamental, essa conduta fere o disposto na
Convenção da Guatemala.
Por ser um tratamento diferenciado em razão
da deficiência, a Educação Especial tem sido um modo
de tratamento desigual aos alunos. Sendo assim, essa
modalidade não deve continuar desrespeitando as
disposições da Convenção da Guatemala nesse sentido.
O acesso à educação, em qualquer nível, é
um direito humano inquestionável. Assim, todas as
pessoas com deficiência têm o direito de freqüentar a
educação escolar em qualquer um de seus níveis. Mas
é importante destacar que o Ensino Fundamental é a
única etapa considerada obrigatória pela Constituição
Federal e, por isso, não pode ser jamais substituído.
A Convenção da Guatemala esclarece que
não constitui discriminação a diferenciação ou
preferência adotada para promover a integração social
ou o desenvolvimento das pessoas com deficiência,
desde que a diferenciação ou preferência não limite
em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e
que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação
ou preferência (art. 1ª, nª 2, “b”). Assim, as
diferenciações ou preferências são admitidas em
algumas circunstâncias, mas a exclusão ou restrição
jamais serão permitidas se o motivo for a deficiência.
Ainda que o encaminhamento a escolas e
classes especiais não seja visto como uma exclusão ou
restrição, mas como mera diferenciação, se em nossa
Constituição consta que educação é aquela que visa o
pleno desenvolvimento humano e o seu preparo para
o exercício da cidadania (art. 205), qualquer dificuldade
de acesso a um ambiente marcado pelas diferenças e
que reflita a sociedade como ela é, como forma efetiva
de preparar a pessoa para a cidadania, seria uma
“diferenciação ou preferência” que estaria limitando
“em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas.”
Essa norma, portanto, também reforça a
necessidade de dar nova interpretação à LDBEN, de
modo que não seja mais permitida a substituição do
ensino comum pelo especial. Vale repetir: o que está
posto na LDBEN como Educação Especial deve ser


entendido como Atendimento Educacional
Especializado, nos termos da Constituição Federal,
sob pena de incompatibilidade.
Quando o Atendimento Educacional
Especializado não substitutivo for prestado em salas
de aula ou em ambientes segregados, esse só poderá
ocorrer mediante a aceitação da pessoa com deficiência
ou de seu responsável, não estando ela obrigada a
aceitar esse tratamento diferenciado.
A Convenção da Guatemala ainda
complementa a LDBEN porque essa não contempla o
direito de opção das pessoas com deficiência e de seus
pais ou responsáveis, limitando-se a prever as situações
em que se dará a Educação Especial, que normalmente,
na prática, acontece por imposição da escola ou rede
de ensino.
6. Instituições especializadas e
escolas especiais podem oferecer
Ensino Fundamental?
A LDBEN trata no seu título V “Dos Níveis e
das Modalidades de Educação e Ensino”. De acordo com
o artigo 21, a educação escolar é composta pela educação
básica e pelo ensino superior. A educação básica, por sua
vez, é composta das seguintes etapas escolares: Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Médio.
Após tratar das etapas da educação básica, a
LDBEN coloca a educação de jovens e adultos – EJA –
como a única que pode oferecer certificado de conclusão
equivalente ao Ensino Fundamental e/ou Médio.
Conforme seu artigo 37, a EJA é a modalidade destinada
a jovens e adultos “que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no Ensino Fundamental e
Médio na idade própria”.
A LDBEN cita as modalidades educação
profissional e Educação Especial em capítulos destacados
da educação básica e superior, não podendo estas
modalidades expedirem certificações equivalentes ao
Ensino Fundamental, médio ou superior.
Portanto, está correto o entendimento de que a
Educação Especial perpassa os diversos níveis de
escolarização, mas ela não constitui um sistema paralelo
de ensino, com seus níveis e etapas próprias. A Educação
Especial deve estar sempre presente na educação básica e
superior para os alunos com deficiência que dela
necessitarem.
Uma instituição especializada ou escola
especial é reconhecida justamente pelo tipo de
atendimento que oferece, ou seja, Atendimento
Educacional Especializado. Sendo assim, essas escolas
não podem substituir, mas complementar as escolas
comuns em todos os seus níveis de ensino.
Conforme a LDBEN, em seu artigo 60, as
instituições especializadas são aquelas com atuação
exclusiva em Educação Especial, “para fins de apoio
técnico e financeiro pelo Poder Público”.


7. Como devem ficar as escolas
das instituições especializadas?
A instituição filantrópica que mantém uma
escola especial, ainda que ofereça Atendimento
Educacional Especializado, deve providenciar
imediatamente a matrícula das pessoas que atende,
pelo menos daquelas em idade de 7 a 14 anos, no
Ensino Fundamental, em escolas comuns da rede
regular. Para os jovens que ultrapassarem essa idade
limite é importante que lhes seja garantida matrícula
em escolas comuns, na modalidade de educação de
jovens e adultos – EJA, se não lhes for possível
freqüentar o Ensino Médio.
Nada impede que, em período distinto
daquele em que forem matriculados no ensino
comum, os alunos continuem a freqüentar a instituição
para serviços clínicos e/ou serviços de Atendimento
Educacional Especializado.
O sistema oficial de ensino, por meio de
seus órgãos, nos âmbitos federal, estadual e municipal,
deve dar às escolas especiais prazo para que adotem as
providências necessárias, de modo que suas escolas
especiais possam atender às prescrições da Constituição
Federal e à Convenção da Guatemala4.
Essas providências devem ser adotadas com
urgência no que diz respeito a alunos com deficiência, em
idade de acesso obrigatório ao Ensino Fundamental.
4 Ver a seguir, o item “Sugestões de áreas de atuação das
instituições/escolas especiais”.
Os pais/responsáveis que deixam seus filhos
dessa idade sem a escolaridade obrigatória podem
estar sujeitos às penas do artigo 246 do Código Penal,
que trata do crime de abandono intelectual. É possível
até que os dirigentes de instituições que incentivam e
não tomam providências em relação a essa situação
possam incorrer nas mesmas penas (art. 29, CP). O
mesmo pode ocorrer se a instituição simplesmente
acolhe uma criança com deficiência recusada por uma
escola comum (essa recusa também é crime, art. 8ª,
Lei nª 7.853/89), e silenciar a respeito, não denunciando
a situação. Os Conselhos Tutelares e autoridades
locais devem ficar atentos para cumprir seu dever de
garantir a todas as crianças e adolescentes o seu direito
de acesso à escola comum na faixa obrigatória.
Considerando o grave fato de que a maioria
das escolas comuns da rede regular dizem estar
“despreparadas” para receber alunos com deficiência
– já que grande parte desses alunos nunca freqüentou
a escola de ensino regular –, a instituição especializada
deve oferecer apoio e conhecimentos/esclarecimentos
aos professores das escolas comuns em que essas
crianças e adolescentes estão estudando.
É importante que esses apoios e
conhecimentos não se constituam no que se costuma
entender e praticar como reforço escolar. A escolaridade
dos alunos com deficiência compete às escolas comuns
da rede regular que, para não continuarem criando
situações de exclusão, dentro e fora das salas de aula,
devem responder às necessidades de todos os educandos
com práticas que respeitem as diferenças.


O papel da instituição especializada é o de
oferecer aos alunos com deficiência conhecimentos
que não são próprios dos currículos da base nacional
comum e, como defensoras dos interesses das pessoas
com deficiência, cuidar para que as escolas comuns
cumpram o seu papel. Caso sejam encontradas
resistências das escolas comuns da rede regular em
aceitar as matrículas, ou manter as já existentes,
mesmo com o apoio das instituições especializadas,
os dirigentes dessas devem orientar e acompanhar os
pais para denunciarem o fato aos órgãos do Ministério
Público local.
8. Sugestões de áreas de atuação
das instituições/escolas especiais
• Para crianças de 0 a 6 anos: oferecer
Atendimento Educacional Especializado,
que pode envolver formas específicas de
comunicação, apenas quando esse
Atendimento não ocorrer nas escolas
comuns de Educação Infantil. Proporcionar,
quando necessário, atendimentos clínicos.
De acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, esses atendimentos clínicos e
educacionais não podem ser oferecidos de
modo a impedir o acesso à Educação Infantil
comum, devendo este ser incentivado pela
instituição como forma de garantir a
inclusão escolar da criança.
• Para crianças e jovens de 7 a 14 anos: o
Atendimento Educacional Especializado é
sempre complementar e não substitutivo da
escolarização em salas de aula de ensino
comum. Quando necessário, esses alunos
devem ter providenciado o Atendimento
Educacional Especializado na instituição,
em horário distinto daquele em que
freqüentam a escola comum.
• Para adultos e adolescentes maiores de 14
anos que não estiverem aptos a freqüentar o
ensino médio: além dos cursos
profissionalizantes e outros oferecidos, as
instituições especializadas devem incentivar
as matrículas desses alunos em instituições
regulares de educação profissional, realizar
convênios com cursos profissionalizantes e/
ou para educação de jovens e adultos, de
forma a possibilitar sua inclusão social e
escolar, podendo oferecer, como complemento,
o Atendimento Educacional Especializado
que se fizer necessário a cada caso.
• Para adolescentes e adultos com idade para o
trabalho: é importante facilitar a inserção
efetiva dessas pessoas no mercado de trabalho,
através de capacitação e do apoio jurídico em
casos que necessitarem de interdição judicial,
incentivando sempre que possível a interdição
parcial, para que a pessoa possa continuar
exercendo atos de cidadania.


• Para garantir maior qualidade no processo
de inclusão de seus alunos, a instituição
especializada pode celebrar acordos de
cooperação com escolas comuns do ensino
regular, públicas ou privadas, de maneira
que estas matriculem as crianças e
adolescentes em idade de Educação Infantil
e Ensino Fundamental atualmente atendidas
nos espaços educacionais especiais, desde
que esses acordos não substituam a educação
escolar em todos os seus níveis.
• Caso as escolas comuns se recusem a fazer
tais matrículas ou cessem as já existentes, é
importante que a instituição especializada
responsável pelo encaminhamento
comunique o Ministério Público local,
tendo em vista o crime previsto na Lei nª
7.853/89, artigo 8ª.
A chamada “inclusão ao contrário” é um
artifício para que o ensino escolar se mantenha nas
instituições especializadas. Essas se propõem a abrir
e/ou transformar esse ensino já existente para alunos
com deficiência e/ou com problemas de aprendizagem
também para alunos sem deficiências e mesmo sem
dificuldades de acompanhar/cursar as escolas
comuns.
A solução de algumas instituições
especializadas visando manter suas escolas/classes
especiais é inadequada, porque a escola deve ser
um ambiente que reflita a sociedade como ela é,
para atender o disposto no art. 205, da CF:
proporcionar pleno desenvolvimento humano e
preparar para a cidadania. Escolas mistas,
constituídas por grande número de pessoas com a
mesma deficiência e algumas outras sem deficiência
lá inseridas, não atendem tal dispositivo.
Se as instituições especializadas quiserem
transformar suas escolas em escolas comuns da
rede regular, aberta a todos os alunos, devem
oferecer os níveis e etapas de educação escolar
além do Atendimento Educacional Especializado
complementar. Nesse sentido, deverão retificar
seu regimento escolar e sua autorização de
funcionamento junto às Secretarias de Educação.
O número de alunos com deficiência a serem
atendidos por essa escola não ultrapassará o
percentual desse segmento na população. Nessa
hipótese, a instituição deixará de ter atuação
exclusiva em Educação Especial e, assim, não será
mais beneficiária do apoio técnico e financeiro do
Poder Público, de acordo com o disposto no artigo
60, da LDBEN.


9. Como cumprir a Constituição
Federal e a Convenção da
Guatemala?
Para esse cumprimento, não há necessidade de
alteração da LDBEN, mas de sua aplicação conforme a
Constituição Federal e a Convenção da Guatemala. O que
muda, basicamente, é a execução prática de seu capítulo
referente à Educação Especial, principalmente após a
internalização da Convenção da Guatemala.
Assim, os órgãos responsáveis pela emissão de
atos normativos infralegais e administrativos relacionados
à educação (Ministério da Educação, Conselhos de
Educação e Secretarias de todas as esferas administrativas)
devem emitir diretrizes para a educação básica, em seus
respectivos âmbitos, considerando os termos da
promulgada Convenção da Guatemala no Brasil, com
orientações adequadas e suficientes para que as escolas em
geral recebam com qualidade a todos os alunos.
Essas diretrizes e atos devem observar, no
mínimo, os seguintes aspectos fundamentais:
• É indispensável que os estabelecimentos de
ensino eliminem suas barreiras arquitetônicas,
pedagógicas e de comunicação, adotando
práticas de ensino escolar adequadas às
diferenças dos alunos em geral, oferecendo
alternativas que contemplem a todos os
alunos, além de recursos de ensino e
equipamentos especializados, que atendam
às necessidades educacionais dos educandos,
com e sem deficiências, mas sem
discriminações.
• Os critérios de avaliação e de promoção,
com base no aproveitamento escolar,
previstos na LDBEN (art. 24) não podem ser
organizados de forma a descumprir os
princípios constitucionais da igualdade de
direito ao acesso e permanência na escola,
bem como do acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um. Para
tanto, o acesso a todas as séries do Ensino
Fundamental (obrigatório) deve ser
incondicionalmente assegurado a todos e,
por isso, como garantia de qualidade, as
práticas escolares, em cada uma das séries,
devem contemplar as diferenças existentes
entre todos os seus alunos.
• O Ensino Médio, os cursos profissionalizantes,
o ensino de jovens e adultos ou os
tradicionalmente voltados para a preparação
para vestibulares devem ser organizados com
o objetivo de atender a todos os alunos que
concluíram o Ensino Fundamental, de
acordo com o perfil e aptidão de cada um.
• Os serviços de apoio especializado como os
de professores de Educação Especial,
intérpretes de língua de sinais, instrutores de
LIBRAS, professores de Português (segunda
língua para os surdos), professores que se
encarreguem do ensino e utilização do


código braille e de outros recursos especiais
de ensino e de aprendizagem, não
caracterizam e não podem substituir as
funções do professor responsável pela sala de
aula da escola comum de ensino regular.
• O encaminhamento de alunos com
deficiência e outras necessidades especiais
(por exemplo: intolerância ao glúten ou
diabetes) a serviços educacionais
especializados ou atendimento clínico
especializado deve contar com a concordância
expressa dos pais dos alunos.
• As escolas de Educação Infantil, creches e
similares, dentro de sua atual e reconhecida
função de cuidar e educar, devem estar
preparadas para crianças com deficiência e
outras necessidades especiais, a partir de 0
ano (art. 58, § 3ª, LDBEN c.c. o art. 2ª, inc.
I, alínea “a”, da Lei nª 7.853/89), oferecendolhes
cuidados diários que favoreçam sua
inclusão e acesso ao Atendimento
Educacional Especializado, sem prejuízo aos
atendimentos clínicos individualizados que,
se não forem oferecidos no mesmo ambiente,
devem ser realizados convênios para
facilitação do atendimento da criança;
• Não deve ser permitida a realização de
exames (“vestibulinhos”) com a finalidade
de aprovação ou reprovação para ingresso na
Educação Infantil ou Ensino Fundamental,
devendo, em caso de desequilíbrio entre a
oferta de vagas e a procura, fazer uso de
métodos objetivos e transparentes para o
preenchimento das vagas existentes (sorteio,
ordem cronológica de inscrição etc.),
conforme os termos do Parecer CNE/CEB
26/2003, do Conselho Nacional de
Educação.
• Todos os cursos de formação de professores,
do Magistério às Licenciaturas, devem darlhes
a consciência e a preparação necessárias
para que recebam, em suas salas de aula,
alunos com e sem deficiências.
• Os cursos de formação de professores
especializados em Educação Especial devem
preparar esses profissionais, de modo que
possam prestar Atendimento Educacional
Especializado, em escolas comuns e em
instituições especializadas, envolvendo
conhecimentos como: código braille,
LIBRAS, técnicas que facilitem o acesso da
pessoa com deficiência ao ensino em geral, e
outros com a mesma finalidade.
Os órgãos oficiais responsáveis pelo
reconhecimento, credenciamento, autorização ou
renovação de quaisquer desses atos não podem deferir
os respectivos pedidos das instituições de ensino que
não preencherem os aspectos fundamentais aqui
apontados. Também deverão definir prazos para que
as escolas interessadas procedam às adaptações
necessárias para a formação de profissionais dedicados
a esse atendimento específico.


10. “Tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais”
De acordo com o parâmetro relacionado ao
princípio da não discriminação, trazido pela
Convenção da Guatemala, espera-se que os aplicadores
do direito na adoção da máxima “tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais” admitam as
diferenciações com base na deficiência apenas para o
fim de se permitir o acesso ao seu direito e não para
negá-lo. Por exemplo: se uma pessoa tetraplégica
precisa de um computador para acompanhar as aulas,
esse instrumento deve ser garantido pelo menos para
ela, se não for possível para os outros alunos. É uma
diferenciação, em razão da sua deficiência, para o fim
de permitir que ela continue tendo acesso à educação
como todos os demais. Segundo a Convenção da
Guatemala, não será discriminação se ela não estiver
obrigada a aceitar essa diferenciação.
11. Sobre a necessária evolução
interpretativa de outras normas:
integração x inclusão
A Lei nª. 7.853/89, o Decreto nª. 3.298/99 e
outras normas infraconstitucionais e infralegais
refletem certa distorção em relação ao que se extrai da
Constituição Federal e da Convenção da Guatemala.
Os termos constantes dessas normas, ao
garantir às pessoas com deficiência o direito de acesso
ao ensino regular “sempre que possível”, “desde que
capazes de se adaptar”, refletem uma época histórica
em que a integração esteve bastante forte,
principalmente no Brasil. Na ótica da integração é a
pessoa com deficiência que tem de se adaptar à
sociedade, e não necessariamente a sociedade é que
deve criar condições para evitar a exclusão. A
integração é, portanto, a contraposição do atual
movimento mundial de inclusão. Neste, existe um
esforço bilateral, mas é principalmente a sociedade
que deve impedir que a exclusão ocorra.
Em uma interpretação progressiva, adequada
com os princípios e objetivos constitucionais atuais
de “promoção do bem de todos, sem qualquer
discriminação”, entende-se que essas normas, quando
falam em “sempre que possível, “desde que capazes de
se adaptar”, estão se referindo a pessoas com severos
comprometimentos de saúde.
Pessoas em estado de vida vegetativa, sem
quaisquer condições de interação com o meio externo
e que não são sequer público das chamadas escolas
especiais, necessitam de cuidados de saúde que as
impedem, ao menos temporariamente, de freqüentarem
a escolar.
Caso ocorra uma melhora dessa condição de
saúde, ainda que pequena, essas pessoas por direito
deverão freqüentar escolas comuns da rede regular.


Nesses ambientes educativos, certamente elas terão
melhores oportunidades de se desenvolver no aspecto
social e escolar.
Mesmo que não consigam aprender todos
os conteúdos escolares, há que se garantir aos alunos
com severas limitações o direito à convivência na
escola, entendida como espaço privilegiado da
formação global das novas gerações. Uma pessoa, em
tais condições, precisa inquestionavelmente dessa
convivência.
Além disso, os conteúdos escolares que esse
aluno não conseguir aprender em uma escola que lhe
proporcione um ambiente desafiador e que adote as
práticas de ensino adequadas à heterogeneidade das
salas de aula, provavelmente não serão aprendidos em
um ambiente segregado de ensino. Por outro lado,
nada impede que esse aluno severamente prejudicado
receba Atendimento Educacional Especializado, como
complemento e apoio ao seu processo escolar na
escola comum. Os demais alunos, sem deficiência,
para conviverem com naturalidade em situações como
essas, devem, se necessário, receber orientações dos
professores sobre como acolher e tratar adequadamente
esses colegas em suas necessidades. Todos os alunos
serão beneficiados, tanto no aspecto humano como
pedagógico com a presença de alunos com deficiências
graves nas turmas escolares.
12. Condições para a inclusão
escolar de alunos com deficiência
Quanto ao Atendimento Educacional
Especializado na Educação Infantil
Um estabelecimento de Educação Infantil,
que se destina a crianças desde 0 ano, deve dispor de
profissionais orientados para lidar com bebês com
deficiências e/ou problemas de desenvolvimento de
todos os níveis e tipos.
Se o estabelecimento educacional não
dispuser de profissionais devidamente orientados,
não pode justificar com esse fato o não-atendimento
da criança, pois ainda assim é obrigado a atender esses
alunos, devendo providenciar pessoal para esse fim.
Recomendam-se convênios com as Secretarias
de Saúde ou entidades privadas para que o atendimento
clínico a essas crianças possa ser feito no mesmo
espaço da escola ou em espaço distinto.
Um estabelecimento de Educação Infantil
para crianças de 0 a 6 anos, que se empenhe em ser
um espaço adequado para todas as crianças, rico em
estímulos visuais, auditivos e outros, com profissionais
devidamente capacitados, será um local de maior
qualidade para TODAS as crianças.


Quanto à surdez e deficiência auditiva
Caso exista um aluno com deficiência
auditiva ou surdo matriculado em uma escola de
ensino regular, ainda que particular, essa deve
promover as adequações necessárias e contar com
os serviços de um intérprete/tradutor de língua de
sinais, de professor de português como segunda
língua desses alunos e de outros profissionais da
área da saúde (fonoaudiólogos, por exemplo),
assim como pessoal voluntário ou pertencente a
entidades especializadas conveniadas com as redes
de ensino regular. Se for uma escola pública, é
preciso solicitar material e pessoal às Secretarias
de Educação municipais e estaduais, as quais terão
de providenciá-los com urgência, ainda que através
de convênios, parcerias etc.
Esses custos devem ser computados no
orçamento geral da instituição de ensino, pois se ela
está obrigada a oferecer a estrutura adequada a todos os
seus alunos, a referida estrutura deve contemplar todas
as deficiências. As instituições de ensino superior
devem atender à Portaria MEC nª. 3.284, de 7 de
novembro de 2003, que traz esclarecimentos sobre as
mesmas obrigações, condicionando o próprio
credenciamento dos cursos oferecidos ao cumprimento
de seus requisitos.
Ainda para a surdez e a deficiência
auditiva, a escola deve providenciar um instrutor
de LIBRAS (de preferência surdo) para os alunos
que ainda não aprenderam essa língua e cujos pais
tenham optado pelo seu uso. Obedecendo aos
princípios inclusivos, a aprendizagem da LIBRAS
deve acontecer preferencialmente na sala de aula
desse aluno e ser oferecida a todos os demais colegas
e ao professor, para que possa haver comunicação
entre todos.
Os convênios com a área da saúde são
extremamente importantes para que o diagnóstico da
deficiência auditiva seja feito o mais cedo possível.
Assim, desde o seu atendimento em berçário, o bebê
surdo ou com deficiência auditiva deve receber
estímulos visuais, que são a própria introdução ao
aprendizado da LIBRAS, bem como encaminhamento
a serviços de fonoaudiologia, que lhe possibilitem
aprender a falar.
Sugere-se viabilizar turmas ou escolas
comuns abertas a alunos surdos e ouvintes, onde as
línguas de instrução sejam a Língua Portuguesa e
LIBRAS. É necessário que um professor de Português
e o professor de Atendimento Educacional
Especializado em LIBRAS trabalhem em parceria com
o professor da sala de aula, para que o aprendizado do
português escrito e de LIBRAS por esses alunos sejam
contextualizados. Esses aprendizados devem acontecer
em ambientes específicos para alunos surdos,
constituindo um Atendimento Educacional
Especializado.


Quanto à deficiência física
Para possibilitar o acesso de pessoas com
deficiência física ou mobilidade reduzida, toda escola
deve eliminar suas barreiras arquitetônicas e de
comunicação, tendo ou não alunos com deficiência
nela matriculados no momento (Leis nª.7.853/89,
10.048 e 10.098/00, CF).
Faz-se necessária ainda a adoção de recursos de
comunicação alternativa/aumentativa, principalmente
para alunos com paralisia cerebral e que apresentam
dificuldades funcionais de fala e escrita. A comunicação
alternativa/aumentativa contempla os recursos e
estratégias que complementam ou trazem alternativas
para a fala de difícil compreensão ou inexistente
(pranchas de comunicação e vocalizadores portáteis).
Prevê ainda estratégias e recursos de baixa ou alta
tecnologia que promovem acesso ao conteúdo
pedagógico (livros digitais, softwares para leitura,
livros com caracteres ampliados) e facilitadores de
escrita, no caso de deficiência física, com engrossadores
de lápis, órteses para digitação, computadores com
programas específicos e periféricos (mouse, teclado,
acionadores especiais).
Essas adaptações representam gastos, por
isso é importante que a previsão de recursos contemple
as despesas e os fundos específicos para essas
adequações.
Quanto à cegueira ou à deficiência visual
Em caso de deficiência visual, a escola deve
providenciar para o aluno, após a sua matrícula, o
material didático necessário, como regletes, soroban,
além do ensino do código braille e de noções sobre
orientação e mobilidade, atividades de vida autônoma
e social. Deve também conhecer e aprender a utilizar
ferramentas de comunicação, que por sintetizadores
de voz possibilitam aos cegos escrever e ler, via
computadores. É preciso, contudo, lembrar que a
utilização desses recursos não substituem os conteúdos
curriculares e as aulas nas escolas comuns de ensino
regular.
Os professores e demais colegas de turma
desse aluno também poderão aprender o braille, assim
como a utilizar as demais ferramentas e recursos
específicos pelos mesmos motivos apresentados no
caso de alunos surdos ou com deficiência auditiva.
Em se tratando de escola pública, o próprio
Ministério da Educação tem um programa que
possibilita o fornecimento de livros didáticos em
braille. Além disso, em todos os Estados estão
instalados Centros de Apoio Educacional
Especializado, que devem atender às solicitações das
escolas públicas. Da mesma forma, as escolas
particulares devem providenciar e arcar com os
custos do material ou tentar obtê-lo através de
convênios com entidades especializadas e/ou rede
pública de ensino.


Quanto à deficiência mental
Esta deficiência parece ser o maior problema
da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas
comuns. Acreditamos, contudo, o aluno com deficiência
mental é mais uma provocação para a transformação e
melhoria do ensino escolar como um todo.
A Constituição Federal determina que deve
ser garantido a todos os educandos o direito de acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, de acordo com a capacidade de cada
um (art. 208, V) e que o Ensino Fundamental –
completo – é obrigatório. Por isso, é inegável que as
práticas de ensino devem acolher as peculiaridades de
cada aluno, independentemente de terem ou não
deficiência. Mas não é isso o que as escolas têm feito
e esta é a grande chave para que a educação escolar das
pessoas com deficiência mental possa acontecer e,
com sucesso, nas classes comuns de ensino regular.
As tradicionais rotulações e divisões de
alunos em turmas aparentemente homogêneas não
são garantias de aprendizado. Ainda que nessas turmas
os conteúdos escolares pareçam ser aprendidos mais
facilmente, o entendimento efetivo desses conteúdos
não é o mesmo para todos os alunos.
Grande parte dos professores continua na
ilusão de que seus alunos apresentarão um desempenho
escolar semelhante, em um mesmo tempo estipulado
pela escola para aprender um dado conteúdo escolar.
Esquecem-se de suas diferenças e especificidades.
Apesar de saberem que os alunos são pessoas distintas
umas das outras, os professores lutam para que o
processo escolar tornem os alunos “iguais”. Esperam
e almejam em cada série, ciclo, nível de ensino, que os
alunos alcancem um padrão predefinido de
desempenho escolar. Essa ânsia de nivelar o alunado,
segundo um modelo, leva, invariavelmente, à exclusão
escolar, não apenas dos alunos com deficiência
intelectual acentuada, mas também dos que possam
apresentar dificuldades ou que os impeçam de
aprender, como se espera de todos.
Os alunos com deficiência mental,
especialmente os casos mais severos, são os que forçam
a escola a reconhecer a inadequação de suas práticas
para atender às diferenças dos educandos.
De fato, as práticas escolares convencionais
não dão conta de atender à deficiência mental, em
todas as suas manifestações, assim como não são
adequadas às diferentes maneiras de os alunos, sem
qualquer deficiência, abordarem e entenderem um
conhecimento de acordo com suas capacidades. Essas
práticas precisam ser urgentemente revistas, porque,
no geral, elas são marcadas pelo conservadorismo, são
excludentes e inviáveis para o alunado que temos hoje
nas escolas, em todos os seus níveis.
Entre essas práticas, está a atual forma de
avaliação da aprendizagem, que é das mais antigas e
ineficientes e que precisa ser mudada. Não se pode
mais categorizar o desempenho escolar a partir de
instrumentos e medidas arbitrariamente estabelecidos
pela escola. Com base nessas avaliações, entre outras,


42
Atendimento Educacional Especializado - Aspectos Legais e
Orientação Pedagógica
um aluno é considerado apto ou não a freqüentar
uma turma comum de ensino regular, especialmente
quando se trata de alunos com deficiência mental.
Sabe-se, hoje, que as deficiências não podem
ser medidas e definidas por si mesmas e por intermédio,
unicamente, de avaliações e de aparatos educacionais,
médicos e psicológicos conhecidos.
É preciso levar em conta a “situação de
deficiência”, ou seja, a condição que resulta da
interação entre as características da pessoa e as dos
ambientes em que ela está provisoriamente ou
constantemente inserida. Esse novo conceito da
Organização Mundial de Saúde (OMS) reforça os
princípios inclusivos de transformação dos
ambientes de vida das pessoas em geral, inclusive o
educacional, para que possam estar adequados a
atender às peculiaridades permanentes e
circunstanciais dos seres humanos. Segundo esse
mesmo conceito, quando se deseja conhecer os
motivos do sucesso ou do fracasso na aprendizagem
de conteúdos escolares, é preciso analisar igualmente
o ensino pelo qual foram ministrados.
Todos os alunos devem ser avaliados pelos
progressos que alcançaram nas diferentes áreas do
conhecimento e a partir de seus talentos e
potencialidades, habilidades naturais e construção de
todo tipo de conhecimento escolar. A LDBEN dá
ampla liberdade às escolas quanto à forma de avaliação,
não havendo a menor necessidade de serem mantidos
os métodos usuais.
Os alunos com deficiência mental são
naturalmente absorvidos em turmas de ensino regular
de escolas comuns que já trabalham a partir destas
novas maneiras de atuar pedagogicamente. Essas que
serão apresentadas a seguir, na parte deste livro
dedicada às Orientações Pedagógicas.
Finalmente, é importante ressaltar que não
existem receitas prontas para atender a cada necessidade
educacional de alunos com deficiência que a natureza
é capaz de produzir.
Os alunos com e sem deficiência são únicos,
singulares, não ses petem. Suas necessidades e
especificidades não são generalizáveis – cada um é um.
Assim, espera-se que a escola, ao abrir as portas para
tais alunos, informe-se e oriente-se com profissionais
da educação e da saúde sobre as especificidades e
instrumentos adequados para que todo aluno encontre
na escola um ambiente adequado, sem discriminações
e que lhe proporcione o maior e melhor aprendizado
possível.


CAPÍTULO III


45
Capítulo III - Educação Inclusiva – Orientações pedagógicas
Educação Inclusiva – Orientações pedagógicas
Maria Teresa Eglér Mantoan
A educação é também onde
decidimos se amamos nossas crianças o
bastante para não expulsá-las de nosso
mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos e tampouco, arrancar de suas
mãos a oportunidade de empreender
alguma coisa nova e imprevista para nós,
preparando-as, em vez disso e com
antecedência, para a tarefa de renovar um
mundo comum.
Hanna Arendt
1. O desafio da inclusão
A inclusão é um desafio que, ao ser
devidamente enfrentado pela escola comum, provoca
a melhoria da qualidade da educação básica e superior,
pois para que os alunos com e sem deficiência possam
exercer o direito à educação em sua plenitude, é
indispensável que essa escola aprimore suas práticas,
a fim de atender às diferenças. Esse aprimoramento
é necessário, sob pena de os alunos passarem pela
experiência educacional sem tirar dela o proveito
desejável, tendo comprometido um tempo que é
valioso e irreversível em suas vidas: o momento do
desenvolvimento.
A transformação da escola não é, portanto,
uma mera exigência da inclusão escolar de pessoas com
deficiência e/ou dificuldades de aprendizado. Assim
sendo, ela deve ser encarada como um compromisso
inadiável das escolas, que terá a inclusão como
conseqüência.
A maioria das escolas ainda está longe de
se tornar inclusiva. O que existe em geral são escolas
que desenvolvem projetos de inclusão parcial, os
quais não estão associados a mudanças de base nestas
instituições e continuam a atender aos alunos com
deficiência em espaços escolares semi ou totalmente
segregados (classes especiais, escolas especiais).


As escolas que não estão atendendo alunos
com deficiência em suas turmas de ensino regular se
justificam, na maioria das vezes, pelo despreparo dos seus
professores para esse fim. Existem também as que não
acreditam nos benefícios que esses alunos poderão tirar
da nova situação, especialmente os casos mais graves,
pois não teriam condições de acompanhar os avanços
dos demais colegas e seriam ainda mais marginalizados
e discriminados do que nas classes e escolas especiais.
Em ambas as situações, fica evidenciada a
necessidade de se redefinir e de se colocar em ação
novas alternativas pedagógicas, que favoreçam a
todos os alunos, o que implica na atualização e
desenvolvimento de conceitos e em práticas escolares
compatíveis com esse grande desafio.
Mudar a escola é enfrentar uma tarefa que
exige trabalho em muitas frentes. Destacamos a seguir
as transformações que consideramos primordiais,
para que se possa transformar as escolas visando a um
ensino de qualidade e, conseqüentemente, inclusivo.
Temos que agir urgentemente:
• colocando a aprendizagem como o
eixo das escolas, porque escola foi
feita para fazer com que todos os
alunos aprendam;
• assegurando tempo e condições para
que todos possam aprender de acordo
com o perfil de cada um e reprovando
a repetência;
• garantindo o Atendimento Educacional
Especializado, preferencialmente na própria
escola comum da rede regular de ensino;
• abrindo espaço para que a cooperação,
o diálogo, a solidariedade, a criatividade
e o espírito crítico sejam exercitados nas
escolas por professores, administradores,
funcionários e alunos, pois são
habilidades mínimas para o exercício da
verdadeira cidadania;
• estimulando, formando continuamente
e valorizando o professor, que é o
responsável pela tarefa fundamental da
escola - a aprendizagem dos alunos;
Em contextos educacionais inclusivos,
que preparam os alunos para a cidadania e visam
ao seu pleno desenvolvimento humano, como
quer a Constituição Federal (art. 205), as crianças
e adolescentes com deficiências não precisam
e não devem estar fora das turmas comuns das
escolas de ensino regular de Educação Infantil e
do Ensino Fundamental e Médio, freqüentando
classes e escolas especiais.
Novas práticas de ensino proporcionam
benefícios escolares para que todos os alunos
possam alcançar os mais elevados níveis de
ensino, segundo a capacidade de cada um, como
nos garante a Constituição.


No intuito de entender melhor o que a
inclusão representa na educação escolar de todo e
qualquer aluno e, especialmente para os que têm
deficiências, é preciso esclarecer o que as escolas
comuns que adotam o paradigma inclusivo
defendem e priorizam e em que precisam mudar
para se ajustarem a ele.
Não há mágicas para melhorar as
condições pelas quais o ensino é ministrado nas
escolas comuns, visando universalizar o acesso, a
permanência e o prosseguimento da escolaridade
de seus alunos, ou seja, a inclusão incondicional
de todos os alunos nas turmas escolares.
A adoção de alternativas educacionais, que
felizmente já estão fazendo parte da organização
pedagógica de escolas de algumas redes de ensino
brasileiras tem revelado a possibilidade de as escolas
se abrirem incondicionalmente às diferenças!
Seguem medidas gerais, de natureza
administrativa e pedagógica, que essas redes de
ensino/escolas estão adotando para conseguirem
um aprimoramento do ensino e à inclusão.
2. Mudanças na organização
pedagógica das escolas
Uma das mais importantes mudanças visa
estimular a escola para que elabore com autonomia
e de forma participativa o seu Projeto Político
Pedagógico, diagnosticando a demanda. Ou seja,
verificando quem são, quantos são os alunos, onde
estão e porque alguns evadiram, se têm dificuldades
de aprendizagem, de freqüentar as aulas, assim
como os recursos humanos, materiais e financeiros
disponíveis. Esse Projeto implica em um estudo e em
um planejamento de trabalho envolvendo todos os
que compõem a comunidade escolar, com objetivo
de estabelecer prioridades de atuação, objetivos,
metas e responsabilidades que vão definir o plano
de ação das escolas, de acordo com o perfil de cada
uma: as especificidades do alunado, da equipe de
professores, funcionários e num dado espaço de
tempo, o ano letivo.
Sem que a escola conheça os seus alunos e
os que estão à margem dela, não será possível elaborar
um currículo escolar que reflita o meio social e
cultural em que ela se insere. A integração entre as
áreas do conhecimento e a concepção transversal das
novas propostas de organização curricular convertem
as disciplinas acadêmicas em meios e não em fins da
educação escolar.


As propostas curriculares devem reconhecer
e valorizar os alunos em suas peculiaridades étnicas,
de gênero, cultura; precisam partir de suas realidades
de vida, de suas experiências, de seus saberes, fazeres e
são tramadas em redes de conhecimento que superam
a tão decantada sistematização do saber.
Embora ainda muito incompreendida
pelos professores e pais, por ser uma novidade pouco
difundida e aplicada nas redes de ensino, a implantação
dos ciclos é uma outra solução a ser adotada, quando
se pretende que as escolas acolham a todos os alunos.
Se concedermos mais tempo para que os
alunos aprendam, eliminando a seriação e a reprovação
nas passagens de um ano para o outro, estaremos
adequando o processo de aprendizagem ao que é
natural e espontâneo no processo de aprender e no
desenvolvimento humano, em todos os seus aspectos.
Não se pode imaginar uma educação para
todos quando constituímos grupos de alunos por séries,
por níveis de desempenho escolar e determinamos
para cada nível objetivos e tarefas adaptadas. E, mais
ainda, quando encaminhamos os que não “cabem”
em nenhuma dessas categorias para classes e escolas
especiais, argumentando que o ensino para todos não
sofreria distorções de sentido em casos como esses!
Essa compreensão equivocada da escola
inclusiva acaba instalando cada criança em um locus
escolar arbitrariamente escolhido e acentua mais as
desigualdades, justificando o fracasso escolar, como
problema exclusivamente devido ao aluno.
Embora uma nova maneira de formar as
turmas escolares não baste para promover a inclusão,
a organização das turmas escolares por ciclos é
ideal para que se possa entender o funcionamento
ativo dos alunos frente a situações-problema: cada
um faz seu caminho diante de diferentes tipos de
desafios escolares.
As escolas alimentam a falsa idéia de que
pode organizar turmas homogêneas. É, sem dúvida,
a heterogeneidade que dinamiza os grupos, dandolhes
vigor, funcionalidade e garantindo o sucesso
escolar. Temos de entender que as turmas escolares
são e sempre serão desiguais, queiramos ou não.
A aprendizagem como centro das
atividades escolares e o sucesso dos alunos como
meta da escola – independentemente do nível de
desempenho a que cada um seja capaz de chegar
– são condições básicas para se caminhar na direção
de escolas inclusivas. O sentido desse acolhimento
não é a aceitação passiva das possibilidades de
cada aluno, mas a receptividade diante de níveis
diferentes de desenvolvimento das crianças e dos
jovens. Afinal, as escolas existem para formar as
novas gerações e não apenas alguns de seus futuros
membros, os mais privilegiados.
A inclusão não implica no desenvolvimento
de um ensino individualizado para os alunos que
apresentam déficits intelectuais, problemas de
aprendizagem e outros relacionados ao desempenho
escolar.


Na visão inclusiva, não se segregam os
atendimentos escolares, seja dentro ou fora das salas
de aula e, portanto, nenhum aluno é encaminhado
a salas de reforço ou deverá aprender a partir de
currículos adaptados para suas necessidades, segundo
a decisão do professor ou do especialista.
É uma ilusão pensar que esses profissionais
conseguem predeterminar a extensão e a profundidade
dos conteúdos a serem construídos pelos alunos, assim
como facilitar as atividades para alguns, porque, de
antemão eles conseguem prever a dificuldade que o
aluno pode encontrar para realizá-las. Na verdade, é
o aluno que se adapta ao novo conhecimento e só
ele é capaz de regular o seu processo de construção
intelectual.
Resumindo, cabe ao aluno individualizar a
sua aprendizagem e isso ocorre quando o ambiente
escolar e as atividades e intervenções do professor
o liberam, o emancipam, dando-lhe espaço para
pensar, decidir e realizar suas tarefas, segundo seus
interesses e possibilidades. O ensino individualizado,
adaptado pelo professor, rompe com essa lógica
emancipadora e implica em escolhas e intervenções
do professor, que passa a controlar de fora o processo
de aprendizagem.
É desejável e adequado que as intervenções
do professor sejam direcionadas para desequilibrar,
apresentar desafios e apoiar o aluno nas suas
descobertas, sem lhe retirar a condução do seu próprio
processo educativo.
A inclusão não prevê a utilização de práticas de
ensino escolar específicas para esta ou aquela deficiência,
mas sim recursos, ferramentas, linguagens, tecnologias
que concorram para diminuir/eliminar as barreiras eu se
interpõem aos processos de ensino e de aprendizagem.
Os alunos aprendem até o limite em que
conseguem chegar, se o ensino for de qualidade,
isto é, se o professor considerar as possibilidades
de desenvolvimento de cada aluno e explorar sua
capacidade de aprender. Isso pode ocorrer por meio
de atividades abertas, nas quais cada aluno se envolve
na medida de seus interesses e necessidades, seja para
construir uma idéia, resolver um problema ou realizar
uma tarefa. Esse é um grande desafio a ser enfrentado
pelas escolas regulares tradicionais, cujo modelo é
baseado na transmissão dos conhecimentos.
O trabalho coletivo e diversificado nas salas
de aula é compatível com a vocação das escolas de
formar as novas gerações. É nos bancos escolares que
aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir
as responsabilidades e repartir as tarefas. O exercício
dessas ações desenvolve a cooperação, o sentido de
se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento
da diversidade dos talentos humanos e a valorização
do trabalho de cada pessoa para a obtenção de metas
comuns de um mesmo grupo.
Os alunos tutores têm sido uma solução
muito bem-vinda nas escolas, despertando nos alunos o
hábito de compartilhar o saber. O apoio ao colega com
dificuldade é uma atitude extremamente útil e humana
que tem sido pouco desenvolvida nas escolas.


Os modos de avaliar a aprendizagem são
outro entrave à implementação da inclusão. Por isso, é
urgente substituir o caráter classificatório da avaliação
escolar, através de notas e provas, por um processo que
deverá ser contínuo e qualitativo, visando depurar o
ensino e torná-lo cada vez mais adequado e eficiente
à aprendizagem de todos os alunos. Essa medida já
diminuiria substancialmente o número de crianças
e adolescentes que são indevidamente avaliados,
encaminhados e categorizados como deficientes nas
escolas regulares.
A educação de qualidade para todos implica
também em mudanças relativas à administração e aos
papéis desempenhados pelos membros da organização
escolar. Neste sentido é primordial que seja revista a
gestão escolar e essa revisão implica:
a) que os papéis desempenhados pelos
diretores e coordenadores mudem e
que o teor controlador, fiscalizador e
burocrático dessas funções seja substituído
pelo trabalho de apoio e de orientação ao
professor e à toda comunidade escolar;
b) que a gestão administrativa seja
descentralizada, promovendo uma maior
autonomia pedagógica, administrativa
e financeira dos recursos materiais e
humanos das escolas, por meio dos
conselhos, colegiados, assembléias de
pais e de alunos.
Com essas mudanças na administração
escolar, o aspecto pedagógico das funções do diretor,
dos coordenadores e dos supervisores emerge. Deixam
de existir os motivos pelos quais esses profissionais
ficam confinados aos gabinetes, às questões
burocráticas, sem tempo para conhecer e participar
do que acontece no dia-a-dia das salas de aula.
3. Como ensinar a turma toda?
Que práticas de ensino ajudam os professores
a ensinar os alunos de uma mesma turma, atingindo a
todos, apesar de suas diferenças? Ou, como criar contextos
educacionais capazes de ensinar todos os alunos?
Ensino disciplinar ou ensino não-disciplinar?
Escolas abertas às diferenças e capazes de
ensinar a turma toda demandam uma re-significação e
uma reorganização completa dos processos de ensino
e de aprendizagem usuais, pois não se pode encaixar
um projeto novo em uma velha matriz de concepção
do ensino escolar.
Para melhorar a qualidade do ensino e
conseguir trabalhar com as diferenças existentes
nas salas de aula, é preciso enfrentar os desafios da
inclusão escolar, sem fugir das causas do fracasso e
da exclusão. Além disso, é necessário desconsiderar as
soluções paliativas sugeridas para esse fim.


As medidas normalmente indicadas para
combater a exclusão não promovem mudanças. Ao
contrário, visam mais neutralizar os desequilíbrios
criados pela heterogeneidade das turmas do que
potencializá-los, até que se tornem insustentáveis,
forçando, de fato, as escolas a buscar novos caminhos
educacionais, que atendam à pluralidade dos alunos.
Enquanto os professores persistirem em:
• propor trabalhos coletivos, que nada
mais são do que atividades individuais
realizadas ao mesmo tempo pela turma;
• ensinar com ênfase nos conteúdos
programáticos;
• adotar o livro didático como ferramenta
exclusiva de orientação dos programas de
ensino;
• servir-se da folha mimeografada ou
xerocada para que todos os alunos
as preencham ao mesmo tempo,
respondendo às mesmas perguntas com
as mesmas respostas;
• propor projetos de trabalho totalmente
desvinculados das experiências e do
interesse dos alunos, que só servem para
demonstrar a pseudo-adesão do professor
às inovações;
• organizar de modo fragmentado o
emprego do tempo do dia letivo para
apresentar o conteúdo estanque desta ou
daquela disciplina e outros expedientes
de rotina das salas de aula;
• considerar a prova final como decisiva
na avaliação do rendimento escolar do
aluno;
Não teremos condições de ensinar a turma
toda, reconhecendo as diferenças na escola.
Esta lista de práticas configuram o velho e
conhecido ensino para alguns alunos, e para alguns
alunos em alguns momentos, em algumas disciplinas,
atividades e situações de sala de aula.
É assim que a exclusão se alastra e se
perpetua, atingindo a todos os alunos, não apenas os
que apresentam uma dificuldade maior de aprender
ou uma deficiência específica. Porque em cada sala
de aula sempre existem alunos que rejeitam propostas
de trabalho escolar descontextualizadas, sem sentido e
atrativos intelectuais. Há os que sempre protestam, a
seu modo, contra um ensino que não os desafia e não
atende às suas motivações e interesses pessoais.
O ensino para alguns é ideal para gerar
indisciplina, competição, discriminação, preconceitos
e para categorizar os “bons” e os “maus” alunos, por
critérios que são, no geral, infundados. Já o ensino para
todos desafia o sistema educacional, a comunidade
escolar e toda uma rede de pessoas, que se incluem num
movimento vivo e dinâmico de fazer uma educação que
assume o tempo presente como uma oportunidade de


mudança do “alguns” em “todos”, da discriminação e
preconceito em reconhecimento e respeito às diferenças.
É um ensino que coloca o aluno como foco de toda
a ação educativa e possibilita a todos os envolvidos
a descoberta contínua de si e do outro, enchendo de
significado o saber/sabor de educar.
Ainda hoje, vigora a visão conservadora
de que as escolas de qualidade são as que enchem as
cabeças dos alunos com datas, fórmulas, conceitos
justapostos, fragmentados. A qualidade desse ensino
resulta da superioridade e da supervalorização do
conteúdo acadêmico em todos os seus níveis.
 Sem dúvida, o conteúdo curricular
é importante, mas não é o único ponto a ser
considerado, quando nos referimos uma educação de
qualidade, principalmente quando estamos falando
de etapas iniciais do ensino básico: Educação Infantil
e Ensino Fundamental.
Persiste a idéia de que as escolas consideradas
de qualidade são as que centram a aprendizagem
nos conteúdos programáticos das disciplinas
curriculares, exclusivamente; as que enfatizam o
aspecto cognitivo do desenvolvimento e que avaliam
os alunos, quantificando respostas-padrão. Suas
práticas preconizam a exposição oral, a repetição, a
memorização, os treinamentos, o livresco, a negação
do valor do erro. São aquelas escolas que estão sempre
preparando o aluno para o futuro: seja este o próximo
ano a ser cursado, o nível de escolaridade posterior ou
o vestibular!
Ao contrário, uma escola se distingue por
um ensino de qualidade quando consegue aproximar
os alunos entre si, tratar os conteúdos acadêmicos
como meios de conhecer melhor o mundo e as pessoas
que nos rodeiam e ter como parceiras as famílias e
a comunidade na elaboração e no cumprimento do
projeto escolar.
Uma proposta pedagógica inclusiva norteiase
pela base nacional comum (LDBEN) e pode se
referendar na educação não-disciplinar (Gallo, 1999),
cujo ensino se caracteriza por:
[...]
• formação de redes de conhecimento
e de significações em contraposição
a currículos apenas conteudistas, a
verdades prontas e acabadas, listadas em
programas escolares seriados;
• integração de saberes decorrente da
transversalidade curricular e que se contrapõe
ao consumo passivo de informações e de
conhecimentos sem sentido.
• descoberta, inventividade e autonomia do
sujeito na conquista do conhecimento;
• ambientes polissêmicos, favorecidos por
temas de estudo que partem da realidade,
da identidade social e cultural dos alunos,
contra toda a ênfase no primado do
enunciado desvinculado da prática social
e contra a ênfase no conhecimento pelo
conhecimento.


4. E as práticas de ensino?
Nas “práticas não-disciplinares” de
ensino predominam a experimentação, a criação,
a descoberta, a co-autoria do conhecimento. Essas
práticas estão voltadas para o ensino de temas, de
assuntos de interesse da turam. Nelas os conteúdos
disciplinares não são fins em si mesmos. As escolas
que as adotam são espaços educativos de construção
de personalidades humanas autônomas, críticas,
nos quais as crianças aprendem a ser pessoas. Nelas
os alunos são ensinados a valorizar as diferenças,
pela convivência com seus pares, pelo exemplo
dos professores, pelo ensino ministrado nas salas
de aula, pelo clima sócio-afetivo das relações
estabelecidas em toda a comunidade escolar.
Práticas escolares assim concebidas não
excluem nenhum aluno de suas salas de aula, de
seus programas, de suas aulas, das atividades e
do convívio escolar mais amplo. São próprias de
contextos educacionais em que os alunos aprendam,
colaborando uns com os outros, entrelaçando suas
experiências, saberes, habilidades.
5. Que tipos de atividades e quais
os processos pedagógicos?
Para ensinar a turma toda, devemos
propor atividades abertas e diversificadas, isto é,
que possam ser abordadas por diferentes níveis de
compreensão, de conhecimento e de desempenho
dos alunos e em que não se destaquem os que sabem
mais ou os que sabem menos. As atividades são
exploradas, segundo as possibilidades e interesses
dos alunos, após serem livremente escolhidas por
eles.
Debates, pesquisas, registros escritos,
falados, observação, vivências são alguns processos
pedagógicos indicados para a realização de atividades
dessa natureza. Por meio destes e de outros processos
pedagógicos, os conteúdos das disciplinas vão
sendo espontaneamente chamados, para melhor
esclarecer os temas/assuntos em estudo. Nas
práticas escolares não-disciplinares, esses assuntos
são centrais e constituem os fins educacionais a
que se pretende alcançar. As disciplinas apóiam os
alunos para elucidar os assuntos em estudo e são
importantes nesse sentido.


6. Como avaliar?
A avaliação do desenvolvimento dos
alunos também precisa mudar para ser coerente
com as demais inovações propostas. O processo
de avaliação que é coerente com uma educação
inclusiva acompanha o percurso de cada
estudante a evolução de suas competências e
conhecimentos.
Em avaliações dessa natureza,
apreciamos, entre outros aspectos, os
progressos do aluno na organização dos
estudos, no tratamento das informações
e na participação na vida social. Desse
modo, muda-se o caráter da avaliação que,
usualmente, é praticada nas escolas e que tem
fins meramente classificatórios. A intenção
dessa modalidade de avaliar é levantar dados
para melhor compreensão do processo de
aprendizagem e para o aperfeiçoamento da
prática pedagógica. Para alcançar sua nova
finalidade, a avaliação terá, necessariamente, de
ser dinâmica, contínua, mapeando o processo
de aprendizagem dos alunos em seus avanços,
retrocessos, dificuldades e progressos.
Vários são os instrumentos que podem
ser utilizados para avaliar, de modo dinâmico,
os caminhos da aprendizagem, como: os
registros e anotações diárias do professor, os
chamados portfólios e demais arquivos de
atividades dos alunos e os diários de classe,
em que vão colecionando dados, impressões
significativas sobre o cotidiano do ensino e da
aprendizagem. As provas também constituem
opções de avaliação desejáveis, desde que haja o
objetivo de analisar, junto aos alunos e os seus
pais, os sucessos e as dificuldades escolares.
É importante também que os alunos
se auto-avaliem. O professor precisa, então,
criar instrumentos que exercitem/auxiliem os
alunos a adquirir o hábito de refletir sobre
as ações que realizam na escola e como estão
vivenciando a experiência de aprender.
Esta é, sem dúvida, uma lacuna
que a escola precisa preencher, pois temos
dificuldade de analisar e de julgar a nossa
produção intelectual, até mesmo nos níveis
mais avançados de ensino. Dependemos muito
da avaliação do professor sobre os nossos
trabalhos e dificilmente a contrapomos com
a nossa. A auto-avaliação deve levar o aluno a
perceber o que conseguiu aprender e acrescentar
ao que já sabia, conhecer as suas dificuldades
para assimilar novos dados e o que é preciso
superar para ultrapassá-las.


7. Finalmente...
Aprendemos quando resolvemos
nossas dúvidas, superamos nossas incertezas
e satisfazemos nossa curiosidade.
Para ensinar a turma toda, parte-se da certeza
de que as crianças sempre sabem alguma coisa, de que
todo educando pode aprender, mas no tempo e do jeito
que lhe são próprios. É fundamental que o professor
nutra uma elevada expectativa por seus alunos. O
sucesso da aprendizagem está em explorar talentos,
atualizar possibilidades, desenvolver predisposições
naturais de cada aluno. As dificuldades, deficiências e
limitações precisam ser reconhecidas, mas não devem
conduzir ou restringir o processo de ensino, como
habitualmente acontece.
Independentemente das diferenças próprias
de cada aluno, o grande desafio é passar de um ensino
transmissivo para uma pedagogia ativa, dialógica
e interativa, que se contrapõe a toda e qualquer
visão unidirecional, de transferência unitária,
individualizada e hierárquica do saber.
Nessa nova lógica pedagógica, o
professor deixa de ser um “palestrante”, papel que
é tradicionalmente identificado com a lógica de
distribuição do ensino. O professor não utiliza
o falar, o copiar e o ditar como recursos didáticos
pedagógicos básicos. Ele partilha com seus alunos a
construção/autoria dos conhecimentos produzidos
em uma aula, restringindo ao máximo o uso do
ensino expositivo. Na sala de aula os alunos passam
a interagir e a construir ativamente conceitos, valores
e atitudes.
Certamente um professor que engendra e
participa da caminhada do saber de seus alunos, como
nos ensinou Paulo Freire (1978), consegue entender
melhor as dificuldades e as possibilidades de cada um
e provocar a construção do conhecimento com maior
adequação.
Um dos pontos cruciais do ensinar a turma
toda é a consideração da identidade sócio-cultural dos
alunos e a valorização da capacidade de entendimento
que cada um deles têm do mundo e de si mesmos.
Nesse sentido, ensinar a todos reafirma a necessidade
de se promover situações de aprendizagem que formem
uma trama multicor de conhecimentos, cujos fios
expressam diferentes possibilidades de interpretação
e de entendimento de um grupo de pessoas sobre um
mesmo tema/assunto.
Os diferentes sentidos que os alunos atribuem
a um objeto de estudo e as suas representações vão se
expandindo e se relacionando e revelando, pouco a
pouco, uma construção original de idéias que integra
as contribuições de cada um, sempre bem-vindas,
válidas e relevantes.
As diferenças entre grupos étnicos, religiosos,
de gênero etc. ensejam um modo de interação entre


eles, que destaca as peculiaridades de cada um gerando,
naturalmente, embates necessários à construção da
identidade dos alunos.
O professor, neste contexto, não procurará
eliminar as diferenças em favor de uma suposta igualdade
do alunado. Antes, estará atento à singularidade das
vozes que compõem a turma, promovendo a exposição
das idéias e contrapondo-as todo tempo, provocando
posições críticas e enfrentamentos próprios de um ensino
democrático.
Sem estabelecer uma referência, sem buscar
o consenso, mas investindo nas diferenças e na riqueza
de um ambiente que confronta significados, desejos
e experiências, o professor garantirá a liberdade e as
diferentes opiniões dos alunos.
8. Dúvidas mais freqüentes
As respostas são a má sorte das perguntas.
Maurice Blanchot
Qualquer reforço/aceleração para
alunos com deficiência pode representar uma
discriminação?
Deve-se considerar as habilidades de ler e
escrever como uma construção individual. É, portanto,
específica de cada aluno e acontece em função da
qualidade do ensino que lhe é ministrado e de sua
capacidade de assimilar e de adquirir essas habilidades
durante sua trajetória escolar. Infelizmente, na prática,
verifica-se que não é o aluno que deve ser reforçado,
mas sim o ensino, para que atenda aos processos de
aquisição do conhecimento.
São válidas as retenções entre um ciclo
e outro, ou entre um ano e outro para quem
não alcançou notas mínimas?
O simples fato de existirem avaliações,
em que uma nota mínima é exigida para a
promoção, já reflete que a escola continua
adotando padrões conservadores de avaliação. Isto
porque a nota mínima representa a intenção que
alguma padronização é necessária naquela escola
e um rendimento mínimo é esperado de todos os
alunos. Nesse momento, começam as exclusões e
não apenas de crianças com deficiência. Assim, as
avaliações com o fim de reter o aluno devem ser
repensadas pelos sistemas de ensino porque elas
deveriam refletir as habilidades alcançadas para o
aluno seguir em frente, e não o contrário.
Para seguir em frente, o aluno precisa
encontrar sempre práticas de ensino adequadas às
diferenças . Por outro lado, ainda que não se altere
o sistema de avaliação, é indispensável que o olhar
do professor mude ao corrigir as provas, levando
sempre em conta as peculiaridades de cada criança
que compõe a sua turma.


Mas não é importante que um mínimo
de aprendizado seja exigido para se passar
adiante?
É necessário que se espere o máximo de
aprendizado dos conteúdos curriculares ministrados,
mas respeitando-se as limitações naturais de todos os
alunos. A forma tradicional de se fazer avaliações não
leva em conta esses limites e faz com que a criança
fique retida porque não aprendeu certos conteúdos, o
que é injustificado e inconstitucional. A experiência
demonstra que não é a repetência que vai fazer com
que o aluno aprenda, mas sim o estímulo contínuo e a
valorização de suas potencialidades. Cada ano/ciclo é
uma nova oportunidade de aprendizado e deve oferecer
os conteúdos de forma rica e plural, para que todos os
alunos se identifiquem e aprendam a seu modo.
Em algumas escolas a não-repetência
tem sido um desastre. É isso que a educação
inclusiva defende?
Acreditamos que o insucesso em algumas
escolas locais deve-se ao seguinte fato: práticas
de ensino conservadoras e turmas consideradas
homogêneas. Melhor explicando: a não-repetência
é um dos fatores que fazem com que exista uma
diversidade intelectual muito grande na sala de
aula, que passa a ser heterogênea. O problema é que
muitos professores continuam dando aula como se
a turma fosse homogênea, como se os alunos ainda
fossem “peneirados” antes e com isso excluídos
(“vestibulinhos”, repetências, evasões etc). Felizmente,
essas situações não podem ocorrer mais.
Não faz diferença se alguma criança não
aprendeu, por exemplo, “divisão com resto” no 2ª
ano, porque nos próximos anos ela vai continuar
tendo oportunidade de aprender esse conteúdo e
outros mais.
A educação inclusiva preconiza um ensino
em que aprender é um ato não linear, contínuo,
fruto de uma rede de relações que vai sendo tecida
pelos aprendizes, em ambientes escolares que não
discriminam, não rotulam e oferecem chances
incríveis de sucesso para todos, dentro das habilidades,
interesses e possibilidades de cada aluno.
A escola prejudica os alunos sem
deficiência ao proporcionar tantas chances de
aprendizado durante o Ensino Fundamental?
Um ensino que contempla e acolhe todos
os alunos não poderá ser prejudicial a ninguém. Uma
escola em que todos os alunos são bem-vindos tem
como compromisso educativo ensinar não apenas os
conteúdos curriculares, mas formar pessoas capazes de
conviver em um mundo plural e que exige de todos
nós experiências de vida compartilhada, envolvendo
necessariamente o contato, o reconhecimento e
valorização das diferenças. Este conhecimento


potencializa a educação escolar, em seus objetivos
e práticas e, assim, também é mais um meio de
aprimoramento do ensino para todos os alunos.
Por outro lado, é bom lembrar que não
são os alunos com deficiência que prejudicam o
bom andamento do Ensino Fundamental e dos
demais níveis. Ao contrário, a presença deles enseja
mudanças substanciais nas práticas escolares, pois de
nada adianta transmitir conteúdos, sem significado,
descontextualizados da experiência de vida do aluno
e que rapidamente serão esquecidos. O Ensino
Fundamental é essencial no caminho que os alunos
vão trilhar para chegar a um Ensino Médio bem
sucedido, ao ensino profissionalizante ou ao ensino
superior.
Crianças com graves comprometimentos
podem ser incluídas?
Um aluno com grandes limitações
provavelmente não vai aprender tudo o que outros
colegas poderão assimilar durante o processo educativo
escolar, mas ele vai se beneficiar da convivência social
e pode se beneficiar também, a seu modo e segundo
suas possibilidades intelectuais, dos conteúdos
curriculares trabalhados na sua sala de aula.
As experiências práticas de inclusão
têm sido bem sucedidas?
Nos locais em que houve de fato uma
mudança no modo de se organizar pedagogicamente o
processo escolar para todos os alunos, a inclusão foi, é
e será bem sucedida. Onde não houve essas mudanças,
mas apenas o acesso de alunos com deficiências e/ou
dificuldades de aprender, a inclusão não acontece.
Trata-se de se adotar novas medidas
para atender às diferenças de todos os alunos, não
apenas os que têm uma deficiência. Medidas essas
que não sejam excludentes, tais como as provas e
outras avaliações de caráter classificatório, o ensino
disciplinar, a fragmentação dos tempos escolares,
entre outras muito conhecidas e praticadas ainda em
nossas escolas! Não há como acolher todos os alunos
em escolas que selecionam, reprovam, marginalizam
o ensino de alguns alunos em classes e programas à
parte dos demais colegas.
Destacamos também que o sucesso da
inclusão tem a ver com a inversão de uma idéia e
de práticas e ensino que são usuais para se atender
às diferenças em uma turma de alunos. Trata-se do
ensino individualizado. Esta prática também passou
a ser um dos motivos pelos quais: a) criticam-se as
salas de aula mais numerosas, quando nelas existem
alunos com deficiência; e b) valorizam-se as escolas
com turmas de poucos alunos em todos os níveis de
ensino.


Não é possível individualizar o ensino para
quem quer que seja, na medida em que não podemos
controlar de fora o processo de compreensão de
outra pessoa. O que é individual e intransferível é a
aprendizagem, que é própria do aprendiz, não é ditada
nem comandada, definida ou adaptada por ninguém
de fora, a não ser pelo sujeito do conhecimento, no
caso, o aluno. Ao professor cabe ensinar, ou seja,
disponibilizar o conhecimento de forma aberta, ampla
e flexível, de modo que o aluno o assimile livremente,
de maneira original, regulado por seus interesses e
possibilidades de adaptação. A aprendizagem não
deverá ser definida pelo professor, em função de uma
falsa concepção de que ele é quem sabe o que falta para
o aluno aprender, o que é possível ao aluno captar de
um assunto, de uma atividade, de uma situação de
ensino qualquer de fora.
Em síntese, aprender é tarefa do aluno,
independentemente do nível de conhecimento a que
ele for capaz de ter acesso. Ensinar é tarefa do professor,
que deve disponibilizar o conhecimento, desafiar o
aluno no processo de reconstrução dos saberes e apoiálo
nas suas dificuldades e em todo o momento em que
se fizer necessária a sua intervenção.
A nossa Constituição Federal elegeu como
fundamentos da República a cidadania e a dignidade
da pessoa humana (art. 1ª, inc. II e III), e como um dos
seus objetivos fundamentais a promoção do bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.
3ª, inc. IV).
Garante ainda, expressamente, o direito à
igualdade (art. 5ª) e trata, nos artigos 205 e seguintes,
do direito de TODOS à educação. Esse direito deve
visar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho” (art. 205).
Além disso, elege como um dos princípios
para o ensino, a “igualdade de condições de acesso e
permanência na escola” (art. 206, inc. I), acrescentando
que o “dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo
a capacidade de cada um” (art. 208, V).
Portanto, a Constituição garante a todos o
direito à educação e ao acesso à escola. Toda escola,
assim reconhecida pelos órgãos oficiais como tal, deve
atender aos princípios constitucionais, não podendo
excluir nenhuma pessoa em razão de sua origem, raça,
sexo, cor, idade, deficiência ou ausência dela.
Para saber mais...
ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem pensar
que pudesse existir. 3º edição. Campinas: Papirus, 2001.
BELISÁRIO FILHO, José Ferreira. Inclusão: uma
revolução na saúde. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
11º edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2001.


BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 14º Tiragem,
tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
BUENO, José Geraldo Silveira. A inclusão escolar de
alunos deficientes em classes comuns do ensino regular.
Revista – TEMAS SOBRE DESENVOLVIMENTO – Vol.
9, número 54, Janeiro/Fevereiro, 2001.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito
Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editora
Ltda., 8º edição, 1996.
CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação
Especial. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2ºedição, 1998.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo
de direito: técnica, decisão dominação São Paulo: Atlas, 2º
edição, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e
Terra, 1978.
GALLO, S. Transversalidade e educação: pensando uma
educação não-disciplinar. In: N. Alves (Org.). O sentido da
escola. Rio de Janeiro: DP&A Editora, (pp. 17-43), 1999.
GIORDANO, Blanche Warzée. (D) eficiência e trabalho:
analisando suas representações. São Paulo: Annablume,
Fapesp, 2000.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér, QUEVEDO, Antônio
Augusto Fasolo e DE OLIVEIRA, José Raimundo:
organizadores. Mobilidade, Comunicação e Educação:
desafios à acessibilidade. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ser ou estar, eis a
questão: Explicando o déficit intelectual. Rio de Janeiro:
WVA Editora, 1997.
_______. Todas as crianças são bem-vindas à escola!
Apostila. Campinas – SP: Universidade Estadual de
Campinas – Unicamp, Faculdade de Educação, 1997.
_______. Ensinando a turma toda – as diferenças na
escola. Pátio – revista pedagógica – ARTMED/ Porto
Alegre – RS, Ano V, nª 20, Fev.Abr.2002, pp.18-28.
_______. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer?
São Paulo: Editora Moderna, 2003.
MAZZOTTA, Marcos J.S. Educação Especial no Brasil –
História e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez Editora,
1996.
PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre Educação. São
Paulo: Xamã, 2001.
PIERUCCI, A F. Ciladas da Diferença. In Tempo Social;
Revista Sociologia USP 2 (2): 2ª sem., São Paulo, 1990.
SASSAKI, Romeu K. Inclusão: construindo uma sociedade
para todos. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica no direito Brasileiro, 1ª
Volume. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1968.
TOURAINE, A. A Igualdade e Diversidade: O sujeito
democrático. São Paulo, 27 jun. 1999.
_________. Poderemos viver juntos? Iguais e Diferentes.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
WERNECK, Claudia. Sociedade Inclusiva. Quem cabe no
seu todos? Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
__________. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade
inclusiva. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1998.

Nenhum comentário:

Postar um comentário